
Por Sandra Regina
A gente até faz planos, como quem escreve um roteiro de filme, planejando cada passo da nossa trajetória, do começo ao fim. Mas a vida… Pois é, a vida. Bem, na realidade, nem sempre ela segue nossos roteiros. Muda os cenários e os personagens da história que sonhamos, desenha suas curvas e chega com as surpresas. Quem é que já não passou por isso?
E é assim, sem esperar, que começam lindas histórias de maternidade. Mulheres que decidiram não serem mães, por planejamento pessoal, impossibilidade biológica ou alguma situação daquelas que “só sabe quem vive”, de repente, se veem maternando uma, duas ou até cinco crianças! Porque o plano da gente pode até ser outro, mas o amor encontra sempre um jeito de florescer.
Nessa segunda matéria em homenagem às mães, vamos conhecer as histórias de três tias dos Correios que assumiram os cuidados com seus sobrinhos. Porque se ser mãe é título, maternar é verbo que muitas mulheres, mesmo sem terem parido, sabem muito bem como conjugar.
Iaiá, a tia que virou lar
Ser mãe nem sempre começa com um parto. Mãe é quem acolhe, quem cuida, quem fica. E Maria da Conceição Soares do Nascimento, agente de Correios – suporte, em Brasília, sabe bem disso. Solteira, ela não pode ter filhos biológicos, mas aos 33 anos, viu a própria vida ganhar um novo foco.
A família da irmã mais nova enfrentava um período delicado e Conceição assumiu o cuidado das duas sobrinhas pequenas, pagando o necessário para o sustento das meninas: material e uniforme escolar, idas ao médico, roupas e calçados.

As meninas passavam férias e fins de semana com a tia. Até que um dia, a mais nova, Carla, então com 9 anos, disse que queria ficar de vez com ela. A família conversou e ninguém se opôs ao desejo da criança. Pouco tempo depois, a mais velha, Maria Helena, quis seguir o mesmo caminho. “Naquela época, eu solteira, tinha uma turma boa de amigos. A gente vivia saindo, passeando… Mas quando as crianças chegaram, me dediquei de corpo e alma a elas. Meus amigos diziam: agora a Conceição virou mãe”, conta ela, com um sorriso de quem sabe a grandeza do que fez.
As meninas cresceram, casaram e seguiram suas vidas. Mas a casa de Conceição nunca ficou vazia: ela continua sendo a casa da tia que acolhe. Agora, são dois sobrinhos netos que moram com ela desde pequenos: Mateus, de 20 anos, e Maria Eduarda, de 22, que lhe deu o apelido carinhoso de Iaiá. “Às vezes, eu me pego pensando: será que existe amor maior do que esse que sinto por essas crianças?”. Conceição, por coincidência, faz aniversário bem perto da data em que celebramos o Dia das Mães, em 9 de maio.
Diante da pergunta se ela se sente mãe, Conceição explica que o sentimento é de protetora. “Embora meus sobrinhos morassem e morem comigo, eu entendo que cada um deles tem a sua mãe, com quem nunca cortaram o vínculo. Meu intuito não foi substituir o lugar da mãe, mas ajudar. E esse papel de protetora que exerço é muito gratificante e relevante. Eu sou uma pessoa realizada, embora eu não tenha parido. Quando eles não estão lá em casa, o que é muito difícil de acontecer, eu sinto um vazio. Não sei se é porque eu me dediquei, se porque peguei parte da minha vida e doei para eles… Mas eles são muito apegados a mim”, conta.
Conceição é a antepenúltima de 12 irmãos. Mas, para muitos, é a primeira em atitude, uma líder nata. Aos 12 anos, ainda no interior do Piauí, pediu aos pais para se mudar para Brasília, acompanhando uma família conhecida. Queria ir. Queria mudar de vida. Insistiu tanto que concordaram com a mudança. Era criança ainda, mas já tinha a determinação de um adulto. O trabalho era cuidar de outra criança. E quando a família de conhecidos, tempos depois, decidiu voltar para o Piauí, Conceição, já com 18 anos, ficou e firmou raízes em Brasília.
Foi, então, que os Correios entraram em sua história. O ano era 1975. Ela começou na empresa como digitadora. Com o primeiro salário, mandou buscar o irmão mais velho, que era casado. Ajudou ele a se estruturar para que ele trouxesse a mulher e filhos. Depois, Conceição conta que mandou buscar mais três irmãos e, passado mais algum tempo, trouxe a mãe.
Um a um, Conceição, organizou e reconstruiu a família do Piauí na capital federal. Conseguiu uma casa na Vila Postal, onde só moravam empregados dos Correios. Acolheu, ajudou, abrigou. Soube construiu um lar com tijolos de amor e perseverança. “Assim que pude, ajudei toda a minha família. Meus irmãos me chamam de irmã-mãe. Acho que é isso que sou.”
É isso mesmo, Conceição. Mãe é quem faz da própria vida uma ponte, um porto, um colo. É quem, mesmo sem gerar no ventre, faz nascer no mundo o mais bonito dos vínculos: aquele que nasce do cuidado. E você fez isso. Fez e faz. Porque Iaiá não é apenas um apelido. É um jeito de ser abrigo, um jeito de ser cuidado. Uma prova de que maternar nem sempre passa pelos caminhos da biologia, mas sabe sempre um atalho para o coração.
“De repente, éramos seis”

Rosilene Alves Costa é exemplo de outra tia que materna. E como! No entanto, maternidade nunca esteve nos planos dela. Muito pelo contrário. Ela sempre soube o que queria e o que não queria da vida. E, definitivamente, ser mãe e ser casar nunca esteve nos planos dela.
Formada em Direito, atendente dos Correios há 27 anos, trabalha no setor de expedição da agência São Mateus, em São Paulo. Mulher independente, cuidando dos pais, o futuro para ela seria de independência, carreira, liberdade.“Ser mãe nunca esteve nos meus planos. Por opção minha mesmo. Nunca foquei nisso. Não queria”, diz, sem hesitar.
Mas a vida, com seus caminhos cheios de curvas, tem as suas reviravoltas que nos joga para horizontes jamais pensados. Tudo mudou em 29 de agosto de 2024. Sua irmã caçula, de quem era muito próxima, faleceu vítima de um câncer de mama. Deixou cinco filhos: Nicolas de 14 anos, Nicole e Natan, um casal de gêmeos, de 11, Enzo e Noa, dois meninos gêmeos idênticos, de apenas 7 anos, na época.
Na reta final da doença, a irmã fez aquele pedido que costuma ter o peso do mundo: “Cuida dos meus filhos, não deixe que levem as crianças para um abrigo, que separem eles.” Como não atender?!
Rosilene conta que o pedido tinha um forte motivo. A irmã vivia em situação de vulnerabilidade e tinha um relacionamento marcado pela violência doméstica, por isso, sabia do risco dos filhos serem levados para uma instituição. “Eu prometi pra ela: ‘Fica tranquila, eu vou cuidar deles. Jamais vou deixar isso acontecer.’ E, de repente… a casa ficou cheia. De repente, éramos seis”, conta Rosilene.
Até então, ela era a tia querida, aquela que mimava, levava presentes. Mas ser mãe, ela descobriu, é outra história… É rotina, responsabilidade, é sacrifício. E, daquele momento em diante, toda a responsabilidade seria dela. “Minha mãetinha morrido de Covid em 2022. E hoje, meu pai, com 82 anos, está muito doente. Os parentes mais próximos estão no interior e não temos tanto contato. Então, crio os cinco sozinha”, relata.
A rotina de uma casa silenciosa, onde morava só uma pessoa, virou de casa cheia. “Onde antes comia apenas eu, agora comem seis. Se antes um quilo de feijão dava pra mais de um mês, agora, em apenas uma semana, são consumidos mais de quatro quilos em casa. Então, agora preciso ir para a fila da cesta básica duas vezes por mês. Algo que nunca imaginei precisar fazer na vida.”
No início de 2025, quando a Justiça ainda não havia dado a guarda formal das crianças para ela, Rosilene se viu em uma corrida contra o tempo para não deixar as criançasfora da escola. Só foi graças ao apoio do Núcleo de Direitos Humanos que conseguiu matriculá-los. Também conseguiu vagas no Centro da Criança e do Adolescente (CCA), um centro de convivência na comunidade. Hoje, ela organiza o dia para que eles fiquem ocupados enquanto trabalha. “Tudo o que planejo, agora, eles são a prioridade.”
E não são apenas os cuidados do dia a dia. Quatro dos cinco sobrinhos precisam de acompanhamento médico em neurologia e psiquiatria. Demandas antigas, que ficaram represadas diante da doença da irmã. Agora, Rosilene batalha por atendimento e tratamento. “Quero que tenham uma vida promissora”, emociona-se.
Ela lembra de histórias que doem na alma. Como a do sobrinho que, aos nove anos, vendia balas no farol para levar comida para casa. “Eles não sabiam o que era uma rotina, o que é uma família funcional. Eu tento ensinar isso. Que existe horário para comer, para dormir, estudar. Tento mostrar que agora eles têm um lar.”
A rotina é exaustiva. E solitária. “É comum me sentir totalmente sozinha.” Mas como todas as mães, biológicas ou não, que equilibram jornada dupla, ela segue em frente. “Se eu faço comida e não tem mistura para todo mundo, eu simplesmente divido entre eles, deixo até de comer. Eles em primeiro lugar.”
E, assim, mesmo sem ter sonhado com a maternidade, Rosilene revela que hoje entende o que é ser mãe. “Mãe é zelo, é cuidado, é se doar. É fazer o que nunca imaginei que faria por alguém e fazer com o coração. Ainda não temos cama pra todos, a casa é pequena, mas estamos nosajeitando e o mais importante: estamos unidos, estamos juntos e estamos seguindo”, afirma.
E quando se pergunta de onde vem tanta força, ela responde com a clareza de quem já se encontrou. “É amor. Sem amor, eu não teria feito nada disso. Amor é o que faz a gente se entregar. Hoje eu entendo o sentido da minha vida. Minha missão é ver esses cinco bem encaminhados.”
Na agência dos Correios onde trabalha, ela encontrou a rede de apoio, principalmente da liderança. “A vida só não está mais difícil porque eu tenho muito o apoio da minha chefia direta, o Vilson de Matos, gestor da agência. Se não fosse isso, essa fase seria impossível. Tenho toda a gratidão por ele”, agradece.
Mesmo vivendo esse contexto tão inesperado e desafiador, Rosilene conta que tudo isso trouxe um sentido novo para a sua vida. Como poderia ser diferente? Aprender a abrir mão, tantas vezes, do próprio tempo, do próprio sossego e até da própria fome. Aprender a existir por um, por três, por cinco. Aprender, por amor, a abrir mão do último pedaço, do maior gole, do melhor lugar, do travesseiro mais fofo.
Sim, ser mãe é seguir firme, mesmo quando se gostaria de parar. Sem dúvidas, ser mãe é a mais corajosa das aventuras da vida. Porque é preciso muita coragem e força para sustentar outro ser no colo quando parece que carregamos o peso do mundo nas costas. E isso não exige parto. Exige entrega. Exige presença. Quem dirá que esse não é o mais forte amor?
O presente que me chamou de mamãe
Por trás da rotina de trabalho e da coordenação da Campanha Papai Noel dos Correios, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, a agente de Correios Lúcia da Silva Mendes carrega uma história que poderia muito bem virar filme. Uma história de cuidado, de proteção e, principalmente, de carinho.

Ela que tem em sua principal atividade a função de fazer a ponte entre os pedidos das crianças, muitas em situação de vulnerabilidade social, e pessoas dispostas a tirar esses sonhos do papel, sabe que cada cartinha que chega traz não só um desejo, mas também a falta de condição de vida dessas crianças. E assim, Lúcia, que nunca pôde ser mãe, encontrou ali, na coordenação da Campanha Papai Noel dos Correios, uma forma de maternar o mundo.
Mas a vida, que adora surpreender, sempre, devolveu esse gesto de um jeito inesperado. Solteira e sem filhos, Lúcia costumava ouvir que nasceu para ser tia. E com orgulho! As duas sobrinhas, filhas da irmã, cresceram bem próximas dela. “Dizem que sou aquela tia que todo mundo sonha em ter”, ela brinca. Mas foi com o nascimento de Oliver Matheus, seu sobrinho-neto, que a vida virou do avesso, e isso no melhor sentido possível.
Oliver completa seis anos nos próximos dias, agora no final de maio. Quando bebê, morava com os pais, vizinhos de porta de Lúcia. A separação do casal mudou tudo. O menino passou a viver com o pai e a avó paterna, até o dia em que a avó contraiu Covid. Antes de ir para o hospital, em março de 2021, a avó deixou Oliver na casa de Lúcia, uma entrega confiada no cuidado que sabia que a tia teria com o menino. E ela cuidou. Desde aquele dia, Oliver nunca mais deixou a casa de Lúcia e, muito menos, o coração dela.
Pouco tempo depois, com o falecimento da avó, Lúcia assumiu os cuidados do menino. Hoje, tem a guarda oficial. “Ele me chama de mamãe. E eu não me vejo mais sem aquele molequinho.”
Oliver foi diagnosticado com autismo nível 2. Agora, com apoio terapêutico diário, já começa a desenvolver a fala. Os tratamentos, viabilizados pelo plano de saúde dos Correios, incluem acompanhamento psicológico e intervenção ABA (Análise do Comportamento Aplicada).Este tratamento, feito na casa do paciente, consiste numa abordagem científica que trabalha para modificar comportamentos, com o objetivo de promover a aprendizagem e o desenvolvimento em pessoas com autismo e outras dificuldades de desenvolvimento.
“Ele está evoluindo. O médico disse que a tendência é que ele precise cada vez menos suporte. E isso me enche de esperança. As crianças que contam com o tratamento por meio dessa intervenção melhoram muito”, explica.
A mãe biológica de Oliver, sobrinha de Lúcia, enfrenta uma depressão profunda. Foi ela mesma quem, diante do conselho tutelar, reconheceu que não queria ser mãe pela metade, não queria que o filho passasse pelo mesmo que ela passou quando pequena, já que a mãe, irmã de Lúcia, também sofre da mesma doença.
Agora, enquanto ajuda milhares de crianças a realizarem seus sonhos na coordenação da campanha Papai Noel dos Correios, Lúcia também cuida, com todo amor do mundo, do maior presente que já recebeu. Como se a vida dissesse: quem trabalha para concretizar os sonhos dos outros, uma hora vê o próprio sonho ser realizado. “O amor vence tudo”, garante.
Ela conta que, antes do Oliver nascer, sonhou com alguém lhe dando um papel, um documento que revelava um presente, e que esse presente seria uma criança. “Hoje sei que esse presente era o Oliver. Se eu não tivesse ele, talvez estivesse fazendo mestrado. Sempre gostei de estudar. Mas a verdade é que a minha vida seria muito parada. Ele me trouxe alegria, sentido, uma nova razão. Eu tenho por quem voltar pra casa”, conta ela, de um jeito todo especial… Como se a partir da chegada do Oliver, naquela casa, passou a ser Natal todo dia.