DIA DAS MÃES|
Quando o relógio marca o tempo da delicadeza

A jornada invisível das mães de crianças neurodivergentes


A assistente comercial Milene Rocha Elias é mãe de Yuri, que está no espectro autista. Foto: Arquivo pessoal.

Por Marta Ribeiro

“Mãe sente”. É assim, com a sensação de ter um coração batendo fora do próprio peito, que a assistente comercial Milene Rocha Elias Brasil, lotada em Mossoró (RN), fala sobre as muitas emoções que vivenciou após a chegada do filho Yuri, hoje com 28 anos. Ela conta que, desde os primeiros meses de vida, o menino apresentava características marcantes do autismo, mas em 1997 o mundo ainda não estava pronto para compreender o que hoje conhecemos como neurodivergência (diferenças neurológicas, comportamentais e de aprendizagem fora do padrão).

Naquela época, ela escutava que Yuri era como qualquer outra criança. “Acreditei, porque confiamos naqueles que deveriam nos orientar. Por isso, meu filho não teve acesso a terapias ou acompanhamentos que poderiam ter feito toda a diferença desde cedo”, lamenta.

Quando ele completou cinco anos de idade, Milene foi efetivada como empregada dos Correios. O tempo passou, novos estudos surgiram, as informações se tornaram mais acessíveis e, aos 18 anos, Yuri finalmente recebeu o diagnóstico de autismo e TDAH.

“Foi como respirar, depois de anos submersa. Compreender suas limitações, seus desafios e, mais ainda, suas potencialidades, mudou tudo. A partir dali, começamos a trilhar um novo caminho – com mais acolhimento, com tratamento, com entendimento. Ser mãe do Yuri é minha missão, minha fortaleza, meu maior presente. E por tudo isso, só posso dizer: gratidão por ter um Yuri na minha vida”, destaca emocionada.

Uma jornada de amor

Se o maternar começa muito antes do nascimento – com mudanças físicas, inclusive alterações anatômicas do cérebro, e emocionais –, quando o desenvolvimento da criança segue um caminho diferente do esperado as mulheres precisam se adaptar, também, a uma maternidade em que é preciso trilhar um caminho desconhecido em busca de diagnóstico, direitos e aceitação.

Elaine Lovizon Fontana, atendente comercial na AC André da Rocha, no Rio Grande do Sul, vive a jornada da maternidade atípica com seu filho Gustavo, de 4 anos, que nasceu com uma síndrome rara, uma alteração no gene KCNQ2. Desde o nascimento, ele enfrenta desafios diários e já chegou a tomar 44 medicamentos, incluindo quatro anticonvulsivos.

Gustavo, 4 anos, nasceu com uma síndrome rara. Foto: Arquivo pessoal.

“A esperança para o futuro não é a cura, porque sabemos que uma alteração genética não tem cura, mas que a medicação certa chegue até ele”, diz Elaine, com otimismo.

A família de Gustavo recebe apoio contínuo de psicólogos e parentes, o que tem sido fundamental. Um dos momentos mais marcantes, segundo Elaine, foi a saída do hospital, após quase 15 meses de internação. “Foi um momento sem explicação, tê-lo em casa, sentado no sofá com a gente”, relembra.

A busca por um tratamento adequado levou a família a diferentes cidades e especialistas. Hoje, Gustavo conta com suporte de homecare, o que tem sido essencial para seu bem-estar e para a tranquilidade dos pais. Apesar dos desafios, a alegria de ver o filho interagir e sorrir é imensurável. “Ele tem a irmã como uma segunda mãe. Qualquer som da voz dela o deixa contente”, conta Elaine.

Um novo brilho a cada aurora

As conquistas dos filhos, por menores que sejam, são motivo de celebração e orgulho. É ali, a cada novo marco de desenvolvimento, que a superação de desafios se materializa em algo visível. Pequenos avanços que, para as mães, representam vitórias históricas.

“Aos 5 anos, minha filha conseguiu desenhar um sol. Parecia uma barata, mas foi uma das primeiras formas mais nítidas. Aos 8 anos, Cecília aprendeu a se balançar no parque e a assoar o nariz no mesmo dia. Coisas que parecem tão simples, né?”, recorda Janaína Gomes de Almeida, supervisora do CDD Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ). Sua filha, Cecília, hoje com 11 anos, nasceu prematura com 32 semanas, pesando 1.700g e medindo 44 cm. A bebê permaneceu internada por 25 longos dias. “Ali eu sentia, diariamente, a possibilidade de perder minha pequena”, relembra.

A supervisora Janaína Gomes é mãe de dois filhos. Foto: Arquivo pessoal.

A partir daí, Janaína observou que os marcos de crescimento da filha foram ocorrendo atrasados: aos 2 anos a fala estava extremamente atrasada, e ela procurou uma fonoaudióloga. Aos 3 anos, a fala progredia, mas a comunicação ainda não era eficiente. Apesar das avaliações iniciais de pediatras e fonoaudiólogos, Janaína não se convenceu e levou Cecília ao neuropediatra. O primeiro especialista não ajudou, mas uma assistente social da empresa a orientou corretamente. “Foi naquele momento que descobri não se tratar de algo passageiro”, relata Janaína. Uma ressonância magnética confirmou se tratar de uma deficiência intelectual.

“O diagnóstico veio como um alívio, pois significava que conseguiria tratá-la com o benefício ofertado pela empresa, mas também como um grande luto”, confessa Janaína.

Como acontece com as mães em geral, mas de forma ainda mais impactante com as mães atípicas, Janaína se preocupava bastante com o futuro de Cecília: “Se ela conseguiria ler, escrever, ir à faculdade, encontrar um namorado, trabalhar, se conseguiria autonomia”. Criar uma filha atípica é algo bem desafiador, especialmente porque sequer as escolas estão preparadas para dar a assistência ideal. “Necessito estar muito mais atenta para que ela tenha, realmente, suas necessidades e direitos atendidos”, afirma.

Hoje, Janaína conta com uma rede de apoio composta por seu filho mais velho, vizinha, irmãs, madrasta, primas e tias. Ela é grata aos amigos de trabalho que participam dessa jornada. “Me sinto abençoada neste quesito”, diz.

Amor em forma de terapia

Extremamente importantes, após o diagnóstico, as terapias entram em cena para possibilitar o desenvolvimento de habilidades, promover a interação social, aumentar a autonomia e melhorar a qualidade de vida das pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e as chances de sucesso da independência futura.

“Tudo que eu faço é para garantir que eles sejam independentes e consigam sobreviver sem a gente. Hoje eu agradeço demais. Não é fácil, mas tudo se encaminha. Ver a evolução dos meus filhos não tem preço, faria tudo de novo,” afirma Nilcilene Costa Camelo, atendente da AC Santa Inês, no Maranhão.

Nilcilene: “tudo que eu faço é para que meus filhos sejam independentes“. Foto: Arquivo pessoal.

A empregada foi a muitos médicos, em vários estados diferentes, até ter o diagnóstico: André era autista. Durante a luta para oferecer um tratamento adequado para o filho, nasceu Bia, a segunda filha. Quando a bebê completou um ano, Nilcilene percebeu comportamentos estranhos. O diagnóstico foi o mesmo. “Não quis acreditar. Quando recebi o laudo, fiquei tão abalada que vim chorando de Teresina até Santa Inês”, recorda.

Ainda assim, Nilcilene nunca deixou de batalhar pelo melhor para os filhos, hoje com 16 anos e 12 anos. “Busquei informação e fiz cursos para orientar professores e quem iria conviver com eles. Meu objetivo principal sempre foi dar qualidade de vida. Não quero que eles sejam melhores, quero que sejam iguais”, explica.

Longe do preconceito

Este é o sonho: uma vida plena para eles. Com direitos reconhecidos e longe do preconceito. “Sempre fui muito positiva. Sempre acreditei e acredito no Arthur. E faço tudo que estiver ao meu alcance para que ele se desenvolva,” afirma Michelly Pires da Costa, atendente na AC Central em Porto Velho, Rondônia.

Após uma gravidez “supertranquila, muito planejada e desejada”, o bebê nasceu de 39 semanas, de parto cesárea. Os primeiros sinais de que algo estava diferente surgiram quando ele tinha 1 ano e 3 meses, com a ausência da fala e a falta de interação com outras crianças da mesma idade. O diagnóstico de TEA veio com 1 ano e 6 meses, e Michelly enfrentou o desafio de encontrar profissionais capacitados.

Michelly: “o mundo não está preparado para crianças com deficiência”. Foto: Arquivo pessoal.

Agora, momentos de alegria, como ver Arthur, hoje com 11 anos, preparar seu café da manhã sozinho, trazem esperança e positividade. Michelly acredita no futuro brilhante do menino, sonhando que ele se formará, trabalhará, terá uma família linda e uma vida feliz. O segundo filho, Vítor, nasceu prematuro extremo, com 29 semanas, e passou 96 dias na UTI. Hoje, com 8 anos, é uma criança falante e brincalhona, que auxilia o irmão na socialização.

“Eu crio eles conscientes, que respeitem o próximo, não façam acepção de pessoas. O mundo não está preparado para as crianças autistas ou com deficiências. Nós temos que preparar nossos filhos pra isso”, avalia Michelly.

Além do que se vê

Conciliar trabalho e os tratamentos contínuos dos filhos é algo que pode ser extremamente desgastante. No ano passado um levantamento pioneiro realizado pela Kiddle Pass, plataforma de atividades educacionais e recreativas para crianças, em parceria com a B2Mamy, a maior comunidade de mães do Brasil, focada em conectar, capacitar e apoiar mães, trouxe à tona dados alarmantes sobre o burnout parental no Brasil, com um foco especial nas mães atípicas.

A pesquisa, que entrevistou 1.868 mulheres entre abril e julho de 2024, revelou que nove em cada dez mães sofrem de esgotamento físico e emocional devido às exigências da parentalidade. O estudo destacou que o burnout é mais prevalente entre mães mais jovens, especialmente aquelas com filhos que possuem necessidades especiais. Mães atípicas, que cuidam de crianças com condições como autismo, TDAH ou outras necessidades específicas, enfrentam desafios adicionais que agravam o esgotamento.

A falta de apoio adequado e as altas expectativas sociais contribuem significativamente para esse cenário. Quando a sociedade entender os desafios enfrentados por famílias atípicas, será mais provável que ofereça apoio com atitudes mais acolhedoras no dia a dia. Sim, a inclusão começa com a empatia. Isso não apenas melhora a qualidade de vida dessas famílias, mas também fortalece a comunidade como um todo.

Além disso, a conscientização é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. Informações precisas e uma compreensão profunda das necessidades dessas famílias são essenciais para criar ambientes mais acessíveis e adaptados. Este ano, a Câmara dos Deputados avalia o Projeto de Lei 114/25, que trata de políticas para famílias atípicas, estabelecendo a Política Nacional de Atenção e Cuidados às Famílias Atípicas. O objetivo é garantir a inclusão, o bem-estar e os direitos dessas famílias, uma abordagem intersetorial que envolva diversas áreas como saúde, educação, assistência social e direitos humanos.

Uma empresa diversa e inclusiva

Neste sentido, os Correios estão realizando ações de educação em algumas superintendências estaduais, desenvolvidas pelas Equipes de Educação, Equipes Multiprofissionais (Programa Viva Melhor) e pelos Grupos de Trabalhos de Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos (Programa de Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos) sobre o do Transtorno do Espectro Autista, abordando definições, manejo e direitos, ampliando o conhecimento dos participantes em relação ao diagnóstico, prognóstico, tratamentos e direitos das pessoas portadoras. 

Iniciativas como essa não alcançarão Carmen Rosa Amato, que ingressou nos Correios em 1994, grávida de cinco meses, iniciando sua jornada profissional entrelaçada com a maternidade de Luiz Felipe, seu filho diagnosticado com microcefalia e Síndrome Pierre-Robin.

Luiz Felipe, hoje com 30 anos e idade mental de 15, cresceu apaixonado pela estatal, identificando os carros da empresa e associando-os ao trabalho de sua mãe. Hoje Carmen, prestes a se aposentar, reflete sobre sua jornada com gratidão, destacando o apoio de seus filhos e marido, que sempre estiveram ao seu lado.

“Foi muito difícil conciliar trabalho e cuidar do meu filho especial. Ele cresceu e teve até momentos que precisei trabalhar e levá-lo comigo. As chefias sempre foram compreensivas”, compartilha Carmen.

Acompanhando os avanços de estudos e legislações, e indo além do previsto por obrigações trabalhistas, avançamos em acolhimento e compreensão no universo empresarial, na expectativa de que o mundo, dentro e fora das paredes dos Correios, possa ser um lugar mais acolhedor e humano para outras tantas Carmens, Janaínas, Michellys, Milenas e Nilcilenes.

Nesse dia das mães, reflitamos e celebremos com elas esse exemplo de amor, força, abnegação, alegria e esperança – porque esperar e maternar são verbos conjugados juntos, no dicionário da delicadeza.

Faça a diferença  

Eduque-se: busque informações sobre as condições que afetam essas famílias. Conhecimento é a chave para a compreensão.

Ofereça apoio: pergunte como você pode ajudar. Às vezes, um simples gesto de apoio pode fazer uma grande diferença.

Seja inclusiva/o: promova a inclusão em sua comunidade. Convide essas famílias para eventos e atividades, garantindo que todos se sintam bem-vindos.