7 Milhões de Voltas ao Redor do Mundo

Por Altemar Henrique de Oliveira

No final de 2009 publiquei um artigo de quatro páginas na edição nº 215 da Revista COFI – Correio Filatélico, importante publicação dos Correios do Brasil para incentivo da Filatelia e outras práticas de colecionismo – sobre a iniciativa de um jovem lusitano que, tal como os pioneiros navegadores descritos por Camões, adorava viajar e também receber cartões-postais. Em função de sua paixão, ele criou algo inovador: uma plataforma dentro da internet para trocar cartões-postais!

Sim, cartões-postais de papel! De verdade! Nada virtual! O nome da comunidade criada era Postcrossing e, até 15/10/2009 – a data do artigo da COFI – os cartões-postais trocados pelos participantes daquela atividade lúdica já tinham percorrido 426 mil voltas ao redor do mundo. A ideia me pareceu tão inusitada que também resolvi participar da brincadeira. Foi divertido encaminhar os postais e recebê-los da Holanda, da China, do Canadá, dos EUA, da Alemanha, da Croácia, da Rússia, da Austrália, de Luxemburgo e, inclusive, de Portugal. Com o tempo, como normalmente acontece em nossas vidas, acabei indo cuidar de “assuntos de gente grande”.

Mas voltei! Mais de 10 anos se passaram depois da publicação do artigo, quando fiquei sabendo que os Correios lançariam um selo postal justamente em homenagem ao Postcrossing. Ainda que tantos de nós teimosamente continuemos a ignorar o assunto, a iniciativa sobrevive firme e forte mesmo após 15 anos da concepção original. No dia 15/10/2009 eram 133.665 participantes espalhados por 205 países que se orgulhavam de já ter recebido 3.115.379 cartões-postais, objetos que, juntos, teriam viajado 17 bilhões de quilômetros. Mesmo em um mundo em que cada vez mais predomina as relações virtuais e o impessoal, forçando o contato físico se reduzir à fluidez fugaz da modernidade líquida de Zygmunt Bauman – fatores agravados ainda mais pela pandemia de covid-19 – no dia 04/07/2020, o número de membros do Postcrossing era quase 6 vezes maior: 791.904 pessoas de 206 países diferentes fazendo com que mais de 40 milhões de postais já percorram cerca de 289 bilhões de quilômetros – uma distância 17 vezes maior do que a de 11 anos atrás.

Os russos parecem ser agora os maiores apaixonados pela ideia. Se, há pouco mais de dez anos, eram os finlandeses que lideravam o ranking de troca de cartões, atualmente Rússia e Taiwan são os países que ocupam as duas primeiras posições, únicos com mais de 100 mil usuários cadastrados. Se o Brasil era o oitavo país em 2009, infelizmente despencou para a 20º posição com 8.983 participantes, mas ainda fica bem a frente da Argentina, com apenas 681 postcrossers.

A finlandesa de nickname Linus que então era a recordista mundial de envios, com 1.861 postagens, parece ter interrompido suas trocas em 2010 – torcemos que não seja pela pior razão possível. Com “apenas” 2.101 cartões-postais agora enviados, ela foi ultrapassada por muitos outros postcrossers, principalmente o novo líder do ranking mundial, um alemão de 59 anos chamado Wilhelm que já tinha enviado, até o início do mês de julho deste ano, 29.770 cartões-postais para 174 países diferentes, 333 deles especificamente para o Brasil.

Dentre os brasileiros, Karina Bueno, a jornalista paulista que entrevistamos no mesmo artigo de 2009 como a maior postcrosser do Brasil, passou de 528, naquela ocasião, para os atuais 1.415 postais. Quase triplicou seus envios, o que não foi suficiente para mantê-la sequer entre os 10 maiores postadores do Brasil, cujo ranking agora é liderado pelo morador de Belo Horizonte, Celio Andrade. Desde 2005, Célio já enviou 6.290 cartões-postais para os mais diversos países do mundo.

As regras para participar continuam sendo muito simples: após efetuar o cadastro inicial, solicita-se um endereço aleatório de destino do seu primeiro cartão-postal. De posse dos dados, basta ir até uma agência dos Correios para adquirir e enviar o postal, tomando o cuidado de não esquecer de identificar o objeto com o código alfa-numérico gerado pelo site, o qual será utilizado pelo destinatário para registrar que recebeu seu cartão-postal. Tão logo é efetuado o registro eletrônico do cartão recebido, o remetente passa automaticamente a ser o destinatário de um novo, que virá aleatoriamente de qualquer lugar do planeta. Mas o usuário não precisa esperar o seu cartão chegar para efetuar novas postagens e, prevalecendo a máxima franciscana do “é dando que se recebe”, quanto mais cartões forem enviados, mais serão recebidos.

A sensação de receber um objeto físico que veio do outro lado do mundo, de uma pessoa da qual nunca se ouviu falar e que talvez nem entenda o seu idioma é indescritível, o que faz a troca se tornar ainda mais emocionante. Além disso, a partir do primeiro cartão-postal as relações interpessoais podem continuar tornando-se mais intensas, criando laços duradouros de amizade ou até mesmo… uniões matrimoniais.

Ana Campos, também portuguesa, criadora da imagem visual do projeto e uma das envolvidas no desenvolvimento e gestão, durante uma apresentação sobre o Postcrossing em evento TEDx na cidade do Porto, em 2014, explicou sobre o cuidado com que as pessoas buscam o postal perfeito, de como elas escolhem o selo mais adequado e procuram escrever as palavras mais atenciosas possíveis… toda uma aparentemente inexplicável preocupação com detalhes para enviar algo para alguém que você talvez nunca verá em toda a sua vida. Nas palavras dela: “As pessoas o fazem porque sabem que vai fazer alguém feliz, que esse postal vai ser especial para elas. É um pequeno ato altruísta: fazemos qualquer coisa por alguém, sem esperar nada em troca. Isso faz-nos fazer sentir bem com nós próprios.”

O jovem lusitano que citamos no início deste texto é Paulo Magalhães. Com esse projeto criativo ele conseguiu atender uma de suas necessidades mais básicas: encher sua caixa de correio de cartões-postais. Formado em Engenharia de Informática, ele se definia como um nômade depois de viver em lugares tão diferentes como Holanda, EUA e China, além de sua própria terra natal. No meu artigo original, o considerei uma espécie de Infante Dom Henrique, o nobre português da dinastia de Avis que, no século XV, fundou e conduziu a Escola Náutica de Sagres, sem a qual não teria ocorrido o expansionismo marítimo de Portugal, que não só fez daquele país uma das maiores potências econômicas dos primórdios do mundo moderno como viabilizou a chegada dos portugueses no Brasil. As grandes navegações portuguesas agora acontecem por meio dos cartões-postais do Postcrossing e já somam mais de 7 milhões de voltas ao redor do mundo.

Parabéns Paulo Magalhães e Ana Campos pelos 15 anos dessa iniciativa fantástica e que ela continue a integrar seres humanos dos mais distantes recantos do mundo por muitos e muitos anos, possibilitando tanto resgatar o antigo prazer de dar e receber um cartão-postal com mensagens pessoais únicas, como também “transformar a caixa de correio numa pequena caixa de surpresas!”

Emissão Postal Especial Postcrossing –
Arte de Daniel Lourenço

Sobre o Selo: A ilustração do selo mostra duas pessoas trocando postais. Para demonstrar a aleatoriedade da prática, postais foram colocados como se estivessem caindo de ambos os lados. A arte retrata Lisboa, capital do país onde foi criado o Postcrossing, e Paris, cujo monumento Torre Eiffel é um ponto turístico reconhecível em qualquer lugar do mundo. Um dos postais que aparecem no selo retrata o Rio de Janeiro com o Cristo Redentor. Deste modo, o Brasil também está representado. A linha pontilhada que passa por todo o selo remete às viagens pelo mundo e também ao globo terrestre. As técnicas utilizadas foram nanquim, aquarela, marcador e lápis de cor.  Adquira o seu em nossa Loja Virtual

Publicado em Programação Filatélica 2020 | 7 comentários

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