OUTUBRO ROSA|
‘Sobrevivi a um câncer de mama agressivo aos 39 anos’

A analista dos Correios, Andressa Resende, conta a descoberta precoce do câncer de mama e fala sobre a importância da prevenção. Ela passou por quimioterapia, cirurgia para retirada das mamas e radioterapia. Atualmente, está sem células cancerígenas no organismo

Por conta da descoberta de uma mutação genética, a jornalista Andressa Resende precisou retirar os ovários, as trompas e as duas mamas. Foto: Lucas Augusto.

Descobrir um câncer nunca me pareceu algo com qual eu esbarraria um dia. Simplesmente nunca havia pensado sobre o assunto. Em março de 2020, porém, percebi um caroço na mama direita. Lembro bem daquela noite, estava assistindo TV com o meu filho, à época com três anos, quando comentei com o meu marido: “Olha esse caroço, ele não estava aqui antes”. Para me tranquilizar, ele disse que deveria ser apenas um dos nódulos que eu já acompanhava.

Cismei. Era um caroço duro, que saltava quando eu levantava os braços. Mesmo com medo, marquei consulta com a minha ginecologista. Estávamos no início da pandemia e sair de casa me exporia ao risco. Durante a ecografia, o médico olhava fixamente para o monitor tentando entender o que via. O laudo indicou um “hematoma”, nada com que me preocupar. A ginecologista não questionou o resultado, mas disse que, se eu quisesse, poderia indicar uma excelente mastologista. Aceitei. Começava a caça ao tumor.

Logo no exame clínico, o semblante sereno da Dra. Flávia mudou. Pediu outra ecografia mamária, cujo resultado levantou preocupação: “nódulo palpável na mama direita com aspecto ecográfico suspeito e alterações inflamatórias adjacentes”. Após ressonância magnética e biópsia, enfim o diagnóstico: “carcinoma ductal invasivo grau II”. O mundo naquele momento, se abriu sob meus pés.

No mês de prevenção ao câncer de mama, Andressa faz alerta sobre a importância do diagnóstico precoce. Fotos: Lucas Augusto.

Segui para o oncologista, que me explicou com riqueza de detalhes todos os tipos de cânceres e qual seria o meu. Todo aquele vocabulário era completamente novo para mim. Saímos de lá em silêncio, eu e meu marido. No caminho para casa, perguntei: “E o Marco Antônio (meu filho)? Como faremos com ele se eu morrer?”. Imediatamente, ele disse que isso não iria acontecer e me lembrou do que acabara de ouvir: as chances de cura eram grandes. Aliás, felizmente, em nenhum momento da minha jornada ouvi a palavra morte. Sempre foi cura.

Dali em diante, me convenci que faria tudo que fosse necessário para o tratamento, com objetividade e sem dramas. Em 27 de maio de 2020, iniciei as sessões de quimioterapia. Na veia mesmo, até que o plano de saúde autorizasse a cirurgia de implantação do cateter-port-a-cath, um dispositivo que permite acesso mais fácil às veias. Como meu tratamento seria longo, 16 ciclos de quimioterapia, fazê-lo por meio das veias dos braços seria muito sofrido.

Nesse meio tempo, meu marido raspou os cabelos para me acompanhar na “carequice”. Um efeito colateral que faz com que o mundo saiba que você está em tratamento de câncer, mesmo que expor a doença seja a última coisa que você queira. Por outro lado, enxerguei nesse processo uma espécie de ritual de passagem para a cura.

Meus cabelos demoraram mais de cinco sessões para começar a cair. Para evitar a dor de senti-los despencando nas minhas mãos, raspei a cabeça, junto com o meu marido, no quintal de casa, com meu pequeno querendo entrar na brincadeira também.

Montanha-russa

Durante o tratamento, comecei a ter febres altas que me acordavam de madrugada de tanto que tremia. Saíamos correndo para o pronto-socorro, lotado de pacientes com covid-19, o que tornava tudo ainda mais dramático. Me mandavam para casa, mas a febre persistia. Novos exames indicaram uma infecção grave, que não se curaria com antibióticos orais.  Precisei me internar para tratamento venoso.

No caminho para o hospital, chorava em silêncio. Minha mãe me perguntou se eu estava com medo de morrer, e eu confirmei: “acho que a coisa está estreitando”. O cateter implantado no meu peito havia sido o canal para que uma bactéria oportunista entrasse na corrente sanguínea. Tive que fazer uma nova cirurgia para retirá-lo.  A implantação do novo cateter foi ainda mais sofrida: sem anestesia, direto em uma veia do meu braço. Segurei o choro novamente.

Em meio a tudo isso, após um teste de investigação genética, descobri que era portadora de uma mutação no gene BRCA1, o que aumenta o risco de vários tipos de câncer, inclusive as formas mais agressivas. Essa condição me faria retirar não apenas a mama doente, mas a sadia também, os dois ovários e as trompas. Em contrapartida, as chances de ter recidiva de câncer se reduziriam em mais de 80%.

Essa nova descoberta me deixou muito abalada. Tive medo de ficar feia, com marcas enormes na pele e com um buraco no lugar dos seios. Novamente, o anjo Dra. Flávia entrou na história para me tranquilizar e esclarecer que os métodos de reconstrução mamária de hoje eram muito eficientes.

A cura

Assim que o uso do antibiótico terminou, voltei para minhas doses de cura, como gostava de falar. Os longos sete meses de tratamento e isolamento social foram duros, mas contei com o acalento das chamadas de vídeo e carinho dos amigos. Além disso, recebi dos meus colegas de trabalho apoio incondicional, que não sei se encontraria em outra empresa.

Dezembro de 2020: eis que o dia da grande cirurgia chegou. Depois de 12 horas, acordei com a maior dor que já senti na vida, causada pelas próteses de silicone colocadas abaixo do músculo do peitoral. “Tenho duas notícias boas para te dar”, ouvi da Dra. Flávia.  “A primeira é que não achamos câncer na sua axila e a segunda é que conseguimos preservar o seu mamilo”. O choro dessa vez foi de alívio e felicidade.

Eu ainda teria que encarar a radioterapia, mas não antes de ter outra infecção, dessa vez dentro da mama, o que me obrigou a fazer outra cirurgia. Mais quinzes dias de dreno e repouso. Dois meses depois, a luz no fim do túnel começou a aparecer. Cabelos crescendo, já andava sem sutiã cirúrgico e até consegui voltar a praticar um dos meus maiores prazeres da vida: a corrida de rua.

Hoje, três anos após a última sessão de quimio, entendo a frase que li assim que descobri a doença, em um relato na internet: “o câncer foi uma bênção em minha vida”. De fato, toda a experiência densa e pesada que vivi me fez enxergar a vida, as relações e os meus sentimentos de uma forma muito diferente. Tenho mais compaixão por mim mesma e quero que meu exemplo inspire outras mulheres.

Para além do Outubro Rosa, é preciso se prevenir, fazer os exames e pedir aos médicos que façam análises complementares. O autoexame de mama é indicado para todas as mulheres a partir dos 20 anos. Você, mais do que ninguém, conhece seu corpo. Então, se perceber algo diferente, procure logo um especialista. A nossa saúde é frágil e é o que importa. Girls, por favor: se toquem, se curem e se amem!

SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER DE MAMA

1. Qualquer caroço na mama em mulheres com mais de 50 anos deve ser investigado. Em pessoas mais jovens, qualquer caroço deve ser investigado se persistir por mais de um ciclo menstrual.

2. Caroço (nódulo) endurecido, fixo e geralmente indolor. É a principal manifestação da doença, estando presente em mais de 90% dos casos.

3. Alterações no bico do peito (mamilo).

4. Pequenos nódulos na região embaixo dos braços (axilas) ou no pescoço.

5. Saída espontânea de líquido de um dos mamilos.

6. Pele da mama avermelhada, retraída ou parecida com casca de laranja.