
Por Juliana Miranda
Na hora que as coisas ficam difíceis de verdade, a primeira necessidade que vem ao coração é, geralmente, a do colo de mãe (seja ela a biológica, a escolhida, a tia, a avó, a madrinha… ou quem quer que desempenhe esse papel na vida de quem está passando pelo aperto). As mães são um porto seguro e, ao lado delas, nada pode dar errado: é como se não precisássemos nos preocupar e pudéssemos ali, simplesmente, existir.
Mas o que acontece quando as circunstâncias (ou simplesmente o passar do tempo) inverte a situação, até que, um dia, são as mães que precisam de cuidados? Para as mulheres com quem conversamos, a resposta é simples – o amor volta para o ponto de partida, com paciência, carinho e muita vontade de acertar.
Uma linha que traduz o laço
Romivalda Alves dos Reis, coordenadora de vendas em Palmas/TO, ainda era solteira quando a mãe, dona Raimunda (hoje com 85 anos), começou a perder a visão. “Casei em 2011 e não tive coragem de deixá-la com meu pai sozinhos”, conta. O pai, seu Valdemar (hoje com 91 anos), é cardiopata.
Os cuidados foram mudando, conforme a progressão da doença da mãe. “Ela passou a enxergar apenas vultos, então pintamos toda a casa com cores vibrantes, para que ela pudesse se orientar entre os cômodos”, diz a coordenadora. E quando dona Raimunda parou de enxergar totalmente, Romivalda tratou de construir uma casa adaptada para as necessidades da mãe, sem degraus, com espaço – e geminada à dela, além de ligada por um a linha de barbante, que une as duas portas, para facilitar a movimentação da mãe.
Penúltima de 10 filhos (dos quais oito estão vivos), Romivalda explica que dona Raimunda sempre foi a base da família inteira. “Mesmo praticamente analfabeta, minha mãe é de uma sabedoria imensa. Ela aconselha todos, consegue acabar com qualquer mal-entendido ou briga”. Por isso, se dedicar aos cuidados com a mãe foi algo automático.
“Minha mãe me ajudou e me ajuda muito. Quando passei no concurso dos Correios, fui chamada para uma cidade muito distante de Palmas, e tive receio em aceitar. Minha mãe me disse: ‘pode ir, que eu vou com você’, e assim ela fez, levando junto um dos netos que estava sob seus cuidados à época”. Ficaram lá os três, até Romivalda conseguir transferência para uma cidade próxima à capital.
Além de dar conselhos, Dona Raimunda ajuda Romivalda a cuidar de Samuel, seu filho único, que hoje está com oito anos. “Ela fica prestando atenção aos programas que ele está vendo para saber se há alguma coisa inadequada. Ela controla o horário do banho, da alimentação, ela faz companhia para Samuel”, diz Romivalda.
“Eu falo para ela que ela me ajuda muito, e ela pergunta: ‘como eu ajudo você se não enxergo?’, mas ela me ajuda demais. E tudo que faço é por amor. Faria tudo de novo se preciso fosse, pois eles [o pai e a mãe] fizeram tudo por mim, para eu me tornar a pessoa que sou hoje”, afirma.
Cuidado mútuo desde sempre
A agente de Correios Jaqueline da Silva Brito, de Mauá/SP, está cercada de amor por todos os lados – literalmente. Grávida de 32 semanas de Maria Helena, ela tem também João Miguel, de 11 anos, e os pais, dona Maria Lúcia e seu Antônio.
Os cuidados com a mãe, que teve poliomielite na infância e ficou com sequelas graves, sempre fizeram parte da rotina dela. Natural do interior de Pernambuco, dona Maria Lúcia nasceu na década de 1960, quando a vacina contra a doença (as famosas gotinhas) estava apenas começando a ser distribuída em massa. “Nossa vida sempre foi isso, ela cuidando da gente e a gente cuidando dela”, explica Jaqueline.

“Minha mãe é uma guerreira, é uma mulher maravilhosa. Nessa gestação, percebo tudo que ela fez por mim, mesmo com as limitações que ela tem”, fala Jaqueline. As consequências da poliomielite foram se agravando com a idade, trazendo mais desafios. “As gotinhas fizeram muita falta na vida dela, por isso, vacina aqui em casa é um assunto sério”.
A família passou por um grande susto no final de 2024, quando a matriarca teve uma pneumonia e passou 28 dias internada, 11 deles entubada. “Foi muito difícil, eu estava no início da minha gravidez, mas só conseguia pensar nela. Graças a Deus, ela conseguiu sair do hospital e está se recuperando”, diz a filha, aliviada.
O menino João Miguel e dona Maria Lúcia são apaixonados um pelo outro e, durante a internação, a certeza do neto de que a avó iria se recuperar foi um consolo para Jaqueline. “Ele dizia: ‘mamãe, não chora, ela vai ficar boa’”, conta.
Para Jaqueline, cuidar da mãe e dos filhos é o próprio conceito de amor. “É estar o mais próximo possível da palavra amor, tanto o meu amor de mãe pelos meus filhos quanto o meu amor pela minha mãe. É mesmo inexplicável”, resume.
Um propósito de vida inesperado
Natural do Piauí, a carteira Maria da Luz Silva só queria estudar. “Desde jovem, nunca quis casar ou ter filhos, dizia a todos que não queria essa vida para mim. Meu interesse era exclusivamente estudar”, diz ela. Muito cedo, Maria da Luz passou em um concurso para a polícia, mas não chegou a terminar a formação, pois não se identificou com a profissão. Um tempo depois, foi aprovada no concurso dos Correios.

Ela pensava em seguir sua vida “tranquila”, trabalhando e estudando. Dois fatos, porém, mudaram radicalmente os planos dela: a morte da irmã, em 2016, deixando três filhos, e a mãe ter se tornado deficiente visual. Os dois sobrinhos menores de Maria da Luz, Carolina, então com 17 anos, e Danilo, que tinha 12, foram morar com ela, a pedido do pai dos adolescentes. Carolina, que tem paralisia cerebral por conta de complicações no parto, precisava de uma série de cuidados especiais.
“Quando minha irmã morreu, foi um choque, mas não pensei duas vezes”, diz Maria. “Minha irmã se dedicava de corpo e alma aos filhos, e eu não mudaria nada”. Dona Raimunda, que tem 86 anos, é deficiente visual desde a década de 1990. As duas moram em casas geminadas, e Jaqueline cuida de tudo relacionado à mãe.
Mesmo sem nunca ter pensado em ser responsável por tantas pessoas, Jaqueline abraçou com determinação essa tarefa. “Ao cuidar de minha mãe e de meus sobrinhos, eu encontrei meu propósito de vida”, emociona-se.
Mãe de todos
A gerente de desenvolvimento de mercado Christiane Michelle do Espírito Santo, de Barbacena/MG, é uma mãe amada por toda a família, mesmo sem nunca ter tido filhos. Ela cuida da mãe, é uma referência para os irmãos, para os cinco sobrinhos e para o sobrinho-neto, um bebê de um ano. Amor e gratidão dão a tônica de seus dias.

Michelle conta que a mãe, dona Herminda, sempre foi muito cuidadosa, fazendo suas comidas preferidas, ajudando nas tarefas escolares e dando amor e carinho. “Hoje quero falar um pouquinho sobre amor e gratidão. Gratidão por uma mulher que fez tudo o que pôde — e até o que não podia — para me dar base, força e valores. Ela me deu bagagem para ser quem sou. Junto com meu pai, me ensinou que a vida se constrói com educação, respeito e amor — os pilares que sustentaram a criação minha e dos meus dois irmãos”, diz Michelle.
Em 2000, a família passou pela perda do pai, e a depressão se instalou em dona Herminda. “Com o tempo, a vida foi mudando. Meus irmãos se casaram, seguiram seus caminhos… e então veio a despedida mais dolorosa: a partida da minha avó, mãe da minha mãe. Foi aí que a tristeza se instalou de vez. A depressão tomou um espaço ainda maior — e com ela, minha mãe começou a se apagar aos poucos. Deixou de sair, de fazer o que gostava, perdeu o interesse por quase tudo”, conta.
Michelle explica que a doença deixou dona Herminda completamente dependente dela, que não mede esforços para ver um sorriso no rosto da mãe. “Há oito anos venho tentando, com tudo o que tenho, preencher os espaços deixados pelo tempo. Me esforço, todos os dias, para mostrar à minha mãe que ela é amada, que não está sozinha, que ainda há vida ao redor”.
“Essa dependência acabou impedindo, muitas vezes, que ela também estivesse presente para meus irmãos quando eles precisaram. E eu, que sempre fui muito próxima deles, fico feliz em poder estar por perto e ajudar no que estiver ao meu alcance”, diz.
E dessa forma, sendo abrigo e presença, Michelle se tornou um pouco “a mãe de toda a sua família”. “Faço tudo que posso para estar presente na vida de cada um. Acompanho, apoio, amparo… e, acima de tudo, dou muito amor”, garante.
Cuidado com leveza
A coordenadora de vendas Karen Milk Kaway, do Paraná, divide seus dias entre o trabalho, os cuidados com o filho mais novo – Guilherme, de 13 anos -, e com a mãe, Dona Inêz, de 77, sobre quem a maior preocupação é “a casa estar silenciosa e ela estar arrastando, sozinha, um vaso pesado de plantas”, conta, rindo.

Dona Inêz é professora aposentada de física e matemática, e adora fazer palavras-cruzadas. Embora seja muito ativa, inclusive cozinhando para a família todos os dias, ela passou por uma cirurgia cardíaca, por isso, a opção por tê-la sempre por perto.
“Cuidar de quem cuidou de nós é retribuir o amor que a gente recebe. Meus pais sempre me deram todo apoio, me ajudaram a cuidas das minhas filhas quando eu precisei, minha mãe me ajuda com meu filho”, conta Karen. “Se eu conseguir ser metade da mãe que minha mãe é, ficarei satisfeita”.
Karen consegue levar a rotina com leveza, apesar das dificuldades que já enfrentou. Quando a filha mais velha, hoje com 29 anos, tinha oito anos, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). “Tenho uma dívida de gratidão eterna com os Correios. Tive todo o suporte de gestores, consegui UTI aérea, ela conseguiu um bom atendimento e se recuperou”, recorda.
Atualmente, Karen está na expectativa de reunir a família para comemorar o Dia das Mães, já que não foi possível reunir as filhas e o neto na data. “Ser mãe é amor e dedicação. A melhor coisa que aconteceu na minha vida foi ser mãe. Quero que eles saibam que sempre estou aqui por eles. Que por eles eu enfrento todas as adversidades que aparecer”, diz.
É bem verdade que a jornada de cada mãe começa de um jeito. Para algumas mulheres, a maternidade inicia no desejo de ter filhos. Para outras, na descoberta da gestação. Há as que se tornam mães durante o processo de adoção, e as que nascem como mães ao longo dos anos, bem depois do parto, no tempo necessário para firmar os pés no chão. Aqui, nosso reconhecimento àquelas que maternam quando é preciso ser colo de quem foi colo, mostrando que o ciclo do amor é mesmo sem fim.