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Pais de meninas que não esperam príncipes

Um dia após o parto, a mãe da pequena Laura faleceu em decorrência de uma hemorragia inesperada. Foto: Arquivo pessoal.

Por Sandra Regina Santos

Nos contos de fadas, princesas costumam esperar por príncipes que lhes apontem o destino. Na vida real, há pais que preferem o contrário: criam filhas para não depender de castelos ou salvadores. Eles as educam para que um dia se tornem rainhas do próprio caminho.

Na terceira matéria do especial Mês dos Pais, quatro empregados dos Correios compartilham suas experiências de paternidade. Entre desafios, superações e aprendizados, eles mostram que ser pai de menina vai muito além de proteger: é ensinar a escolher, a sonhar alto, a se defender e a governar a própria vida.

Pai solo, amor infinito

Quando Laura nasceu, em agosto de 2022, a vida de Robson Pereira de Oliveira mudou para sempre. O coordenador de vendas dos Correios, em Fortaleza (CE), sonhava em viver a alegria da chegada da filha ao lado da esposa, Léia. Mas um dia após o parto, Léia faleceu em decorrência de uma hemorragia inesperada.

No luto, Robson se viu diante do maior desafio: aprender a ser pai solo de uma recém-nascida. “Se não fosse minha filha, eu teria sofrido ainda mais. Cuidar dela foi o que me deu forças para continuar”, lembra.

Entre trocas de fralda, banhos e mamadeiras, Robson construiu com Laura um vínculo precioso. “Enfrentei preconceito. Muitos achavam que, por ser homem, eu não teria condições de criá-la. Mas eu sempre disse: eu sou o pai, sou o responsável.”

Hoje, Laura tem apenas três anos, mas já inspira grandes sonhos no pai: “Quero que seja independente, que viva cada fase no seu tempo, com liberdade e segurança.” Para ele, não importa se é menina ou menino: “A missão é ser pai. E paternidade não pode ser banalizada.”

O valor da presença

Para o carteiro Marcelo Batista, paternidade solo exige força e ternura ao mesmo tempo. Foto: Arquivo pessoal.

Em Juiz de Fora (MG), o carteiro motorizado Marcelo Batista Ramalho descobriu cedo que paternidade solo exige força e ternura ao mesmo tempo. Quando se separou, as filhas Ester e Mariana tinham 10 e 7 anos. Ele passou a ser pai e mãe na rotina: preparar o uniforme, deixar o almoço pronto, acompanhar tarefas, colocar para dormir.

“Penso que essa situação fez minhas filhas perceberem as dificuldades da vida cedo demais. Mas também as tornou mais fortes e companheiras”, conta.

Hoje, Ester é engenheira mecânica e Mariana segue carreira na moda. Para Marcelo, ver as filhas trilhando seus caminhos é a confirmação de que sua presença fez toda a diferença. “Criar filhas sozinho exige ainda mais atenção, mas também traz recompensas imensas. Meu sonho é vê-las independentes e realizadas.”

A filha que mudou o rumo

Frederico e a filha Clarice: “Quero que ela caminhe com as próprias pernas, que não dependa de ninguém. Foto: Arquivo pessoal.

Em Lagoa Dourada (MG), o carteiro motociclista Frederico Matta e Sousa encontrou na chegada da filha Clarice a motivação para transformar a própria vida. Antes mesmo de nascer, a menina o inspirou a abandonar o álcool e redescobrir no esporte um novo caminho.

Clarice, hoje com 10 anos, tem uma rotina intensa: balé, natação, inglês, jiu-jítsu, corrida e ciclismo. “Ela é quem pede para praticar. Acredito que cada atividade fortalece corpo e mente”, diz o pai.

Mais do que acompanhar as conquistas da filha, Frederico aprende com ela. “No primeiro campeonato de natação, ela perdeu e chorou. Conversei, expliquei que a vida é feita de degraus. Na terceira competição, venceu. Foi uma lição para nós dois.”

Orgulhoso, ele resume seu maior desejo: “Quero que ela caminhe com as próprias pernas, que não dependa de ninguém. Meu papel é dar esse chão.”

O maior sinal de amor

Desde bebê, Betina aprendeu Libras, para se comunicar com a mãe, que tem deficiência auditiva. Foto: Arquivo pessoal.

No Rio Grande do Sul, o coordenador do Centro de Tratamento de Encomendas e Cartas (CTCE) em Porto Alegre (RS), Anderson Martins Soares, e a esposa, Letícia, esperaram quase dez anos para viver a paternidade. Betina chegou como um presente e transformou tudo.

Desde bebê, a menina aprendeu Libras, para se comunicar com a mãe, que tem deficiência auditiva. Anderson, que cuidava dela pela manhã, ensinava um sinal por dia. “Antes de falar, ela já sinalizava. O primeiro sinal foi ‘mamãe’. Eu quis que fosse assim”, lembra emocionado.

Hoje, aos 9 anos, Betina sonha em viajar o mundo, já estuda inglês e mostra independência nas próprias escolhas. “Quero que ela tenha voz, força e domínio sobre sua vida. Meu papel é orientar e estar por perto”, diz o pai.

Robson, Marcelo, Frederico e Anderson compartilham trajetórias diferentes, mas têm em comum o mesmo sonho: ver suas filhas crescendo fortes, seguras, independentes e donas do próprio destino.

Porque, no fim, ser pai de menina é muito mais do que proteger: é acreditar que cada passo dado por elas é também o maior legado de amor que um pai pode deixar.