Insulina e Diabetes Mellitus

Texto escrito por Spartaco Astolfi Filho

Nesse ano em que completam 100 anos da descoberta da insulina, os Correios prestam homenagem a esse feito histórico lançando um selo postal comemorativo.

Existem dois principais tipos de Diabetes Mellitus, ambos caracterizados pelo excesso de glicose no sangue e na urina: quando ocorre em consequência do pâncreas parar de produzir ou diminuir a produção de insulina (diabetes tipo I ou insulino-dependente), ou – quando a insulina não é capaz de agir de maneira adequada, devido à dificuldade de reconhecer o seu receptor localizado nas membranas celulares (diabetes tipo II ou insulino-resistente). O tipo I aparece de uma hora para outra, na maioria dos casos em crianças ou adolescentes, e é reflexo de uma reação autoimune do organismo que destrói as células produtoras de insulina e o tratamento necessita de reposição da insulina. Antes da descoberta da insulina e sua produção industrial a maioria dos pacientes com casos graves de diabetes tipo I falecia devido à doença. O tipo II aparece como consequência da má alimentação e da obesidade na maioria dos casos a partir dos 40 anos de idade e o tratamento é feito com dieta adequada, exercícios físicos e de medicamentos como: metilformina, glimepirida e gliclazida e em caso mais graves pode-se fazer uso também de insulina.

Os sintomas da diabetes podem variar de acordo com o tipo da doença, porém de maneira geral os primeiros sinais da diabetes são muita sede, muita vontade de urinar, muita fome, cansaço, visão embaçada e formigamento nos membros. Quando o nível de glicose sanguíneo fica alto por muito tempo, como o que ocorre no Diabetes Mellitus não tratado adequadamente, aumenta o risco de ocorrerem complicações como: doenças cardíacas e enfarte; lesões oculares, renais e neurológicas; dificuldade de cicatrização, infecções fúngicas recorrentes e disfunções sexuais.

A história da descoberta da Diabetes Mellitus e da insulina e o seu desenvolvimento como um biofármaco é muito rica, teve influência no desenvolvimento de diversas áreas da ciência e da tecnologia, entre elas: medicina, farmácia, bioquímica, biologia molecular e engenharia genética.

O primeiro relato de Diabetes foi descrito por médicos egípcios no documento médico “Papiro de Ebers” datado de 1552 a.C., onde descrevem uma doença em que os pacientes urinavam muito, tomavam muita água e emagreciam até a morte. Em 250 a.C. Apolônio de Memphis usa pela primeira vez o termo diabetes, palavra grega que significa sifão, devido nessa doença ocorrer uma rápida passagem de líquidos pelo corpo. Só em 150 d.C. Aritaeus da Capadócia adiciona o termo mellitus devido ao sabor adocicado das urinas desses pacientes.

Em 1889 os alemães Oskar Minkowski e Joseph von Mering demonstraram que a retirada do pâncreas de cães causava Diabetes levando-os a óbito e um pouco antes em 1869 o também alemão Paul Langerhans havia descrito um tipo de células do pâncreas que, devido à sua disposição espacial, chamou de ilhotas. Em 1900 o estadunidense Eugene Opie descreveu que, em casos de Diabetes Mellitus grave, ocorria a degeneração das células das ilhotas de Langerhans.

Em 1910, o inglês Edward Sharpey-Schafer levantou a hipótese de que o Diabetes seria causado pela deficiência de uma substância, produzida pelas células das ilhotas de Langerhans do pâncreas, razão pela qual ele a denominou de insulina, termo derivado da palavra latina insula (ilha). A confirmação dessa hipótese veio em 1921 pelos canadenses Frederick Banting e Charles Best, eles injetaram em cachorros diabéticos, extratos ilhotas de Langerhans de pâncreas de cachorros saudáveis, revertendo o quadro de diabetes. Os dois pesquisadores em seguida trabalhando na Universidade de Toronto, em colaboração com o escocês John Mcleod purificaram a insulina de pâncreas bovino e foram os primeiros a tratar um humano diabético com sucesso, um jovem canadense adolescente de 14 anos. Por essa façanha Banting e Mcleod ganharam o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1923. A partir de então a empresa farmacêutica estadunidense Eli Lilly & Co. bem como empresas farmacêuticas da Europa passaram a produzir insulina bovina e suína em larga escala para tratamento do Diabetes Mellitus.

Em 1955, o inglês Frederick Sanger desenvolveu a metodologia que permitiu determinar a sequência completa de aminoácidos da insulina por isso ganhou o Prêmio Nobel de Química em 1958. Pelo desenvolvimento da metodologia de cristalografia de Raios-X para determinar a estrutura tridimensional de moléculas e após determinar a estrutura da penicilina e da vitamina B12, a britânica Dorothy Hodgkin recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1964, sendo que alguns anos depois em 1969 ela publica a estrutura tridimensional de uma molécula bem mais complexa – a insulina.

A indústria farmacêutica, para produzir por processo extrativo cerca de 1 Kg de insulina bovina e suína para tratamento do Diabetes, precisava coletar pâncreas de 50.000 animais. Além dessa dificuldade, a bovina difere da humana em 3 aminoácidos enquanto a suína em um aminoácido, o que em alguns casos o tratamento resultava em reação imune e o paciente passava a fazer anticorpos contra a insulina animal o que dificultava o tratamento. A solução para isso veio com a invenção da Tecnologia do DNA Recombinante, também chamada de Engenharia Genética, pelos estadunidenses Stanley Cohen, Herbert Boyer e Paul Berg em 1973. Em 1978, trabalhando na empresa de biotecnologia Genentech recentemente criada em San Francisco (CA – USA), os também estadunidenses David Goeddel e Dennis Kleid expressam pela primeira vez um gene de insulina humana na bactéria Escherichia coli e 5 anos depois a Genetech juntamente com a Eli Lilly & CO, após aprovação pelo FDA (USA), lançam no mercado um dos primeiros produtos da engenharia genética – a insulina humana com o nome de Humulin.

No Brasil a empresa Biobrás Bioquímica do BrasiL SA, situada em Montes Claros (MG), idealizada pelo empreendedor professor da UFMG Marcos Luiz dos Mares Guia, produzia insulinas bovina e suína desde 1978. Em 1988 a Biobrás iniciou uma colaboração com a UnB, coordenada na universidade pelo professor Spartaco Astolfi Filho, para desenvolver no Brasil a tecnologia de produção de insulina humana por engenharia genética e fermentação bacteriana. Esse processo foi concluído com sucesso com a construção do setor industrial de produção de insulina humana em 1998 com inclusive patente concedida nos USA no ano 2000.

Embora uma empresa farmacêutica multinacional tenha adquirido a BIOBRÁS em 2001 e interrompido o processo de produção no Brasil de insulina (do Insumo Farmacêutico Ativo – IFA), ficou demonstrada a capacidade de empreendedores e pesquisadores brasileiros de desenvolver tecnologias avançadas para a produção de biofármacos. Essa experiência adquirida por diversos pesquisadores nesse projeto tem sido de grande utilidade para o desenvolvimento de outras biotecnologias farmacêuticas no Brasil. É importante também ressaltar que recentemente a empresa BIOMM (Nova Lima-MG), uma spin off da extinta BIOBRÁS, além da BAHIAFARMA e FARMANGUINHOS/FIOCRUZ, têm declarado a intenção de produzir insulina humana (IFA) no Brasil, o que sem dúvida será uma garantia aos diabéticos brasileiros do suprimento desse importante medicamento no futuro.

FICHA TÉCNICA DA INSULINA

Natureza da Substância: Proteína formada de duas cadeias polipeptídicas A e B, a cadeia A tem 20 aminoácidos e a B tem 30 aminoácidos. Fórmula química: C254H337N65O75S6
Massa molecular: 5808 daltons
Local de síntese: Ilhotas de Langerhans no pâncreas.
Função: a insulina é um hormônio proteico que estimula a entrada da glicose do sangue para o interior das células e a síntese de glicogênio, um outro hormônio denominado de glucagon, também produzido pelo pâncreas pelas células alfa, tem uma ação inversa, estimula a quebra do glicogênio e a liberação da glicose das células para a corrente sanguínea; dessa forma os dois hormônios são os principais responsáveis pela homeostase da glicose no organismo.

Estrutura molecular da insulina:

Azul – Cadeia A, Verde – Cadeia B

Figura copiada de:
 https://www.dreamstime.com/stock-images-insulin-structure-image26544714

Spartaco Astolfi Filho
Bacharel em Ciências Biológicas pela UnB em 1975, Mestre em Biologia Molecular pela UnB 1978 e Doutor em Ciências pela UFRJ em 1987. Realizou em 1988-1989 Pós-Doutorado na área de Engenharia Genética no Instituto de Ciências e Tecnologia da Universidade de Mancherter (UK). Atuou no desenvolvimento das tecnologias de produção, por engenharia genética e fermentação, de: Taq DNA Polimerase (CENBIOT/UFRGS & UnB), Insulina Humana (BIOBRÁS & UnB) e Hormônio de Crescimento Humano (CRISTÁLIA & UFAM). Publicou 121 artigos em periódicos, requereu 13 patentes de invenção, orientou 77 mestres e 47 doutores. Aposentou-se como Professor Titular de Biotecnologia da UFAM. Integra o Conselho Científico da Cristália – Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda e atualmente é Professor Emérito da UFAM.

Publicado em Programação Filatélica 2021 | 5 comentários

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