
No dia em que celebramos o Bloomsday, a filatelia brasileira lança a Série Relações Diplomáticas Brasil – Irlanda marcando os 100 anos da primeira publicação da obra Ulysses, de James Joyce, que narra os acontecimentos vividos pelo protagonista Leopold Bloom durante 19 horas do dia 16 de junho de 1904. A data conhecida como Bloomsday é comemorada na Irlanda e se transformou em uma efeméride inserida do calendário cultural de vários países abrangendo, assim, um público muito além do círculo de leitores da obra.
Irlanda, como fundo. Em destaque, em jogo tipográfico, “Ulysses 100 Anos” cruza com os dizeres “Yes”, (Sim) característico da obra, e “James Joyce”, aproveitando o posicionamento das letras. No intuito de reforçar a identidade irlandesa para este selo, foi utilizado largamente o verde com alguns toques de laranja. Com uma tiragem de 64.000 selos e valor facial de R$ 2,60, esta emissão está à venda na loja virtual e também nas principais agências de Correios.
Em uma emissão da Série Relações Diplomáticas, a parceria com a embaixada da Irlanda é fundamental para este lançamento estreitando laços entre os dois países e trazendo sua contribuição no edital do selo.
Conversamos também Luísa de Freitas, brasiliense, pesquisadora e professora de línguas e literatura conhece a fundo as quase 900 páginas do livro em que todos os acontecimentos se dão em um único dia. Além do texto no edital, a pesquisadora também apresenta algumas curiosidades na entrevista a seguir:
1. Como surgiu seu interesse pela obra?
Comecei a me interessar pela obra de James Joyce na adolescência, lendo Dublinenses. Esses contos foram o início de um fascínio pessoal que se desenvolveria em interesse de pesquisa com o passar dos anos. Também passei por Um Retrato do Artista Quando Jovem e Exilados entre as leituras iniciais esparsas de Ulysses e Finnegans wake. Enquanto eu era estudante de Letras, o professor Piero Eyben promoveu reuniões para ler Ulysses em grupo na UnB. Isso propiciou a minha primeira leitura aprofundada do romance, com mais atenção e com o estímulo dos encontros.
2. Ulysses é conhecido como um livro denso e de difícil leitura. Quanto tempo você demorou pra ler o livro?
Não sei dizer ao certo o tempo que levou, mas foram meses a fio. Entre abrir o livro pela primeira vez na vida, deixá-lo de lado, voltar e concluir a leitura integral, passaram-se alguns anos. Fui alimentando esse interesse em meio a outras leituras e tarefas não relacionadas que atravessaram o processo. É bem verdade que leituras lineares e ininterruptas de livros como Ulysses são dificultadas pela falta de tempo, mas isso não deve desanimar ninguém. Afinal, ler por partes e aos poucos é muito melhor do que correr pelas páginas sem aproveitar. Ulysses é um romance que se pode ler e reler a vida toda.
3. Tem alguma dica para ler o livro?
Tudo depende das possibilidades e do contexto de cada um. Se for possível reunir pessoas interessadas na leitura, acho que isso pode fazer muita diferença e potencializar o prazer da incursão. Ler é uma atividade essencialmente solitária (e isso não é ruim!), mas Ulysses incentiva muito o compartilhamento, o que cria outra experiência. Isso não se deve só às dificuldades, mas também ao humor, às potencialidades de ler em voz alta etc. Em termos de apoio bibliográfico, o tradutor e professor Caetano Galindo lançou Uma Visita Guiada, que acredito ser muito útil ao público brasileiro, e há notas na tradução da professora Bernardina da Silveira Pinheiro.
4. Você faz parte de algum grupo de leitura da obra ou ajuda a leitura? Indica algum grupo de leitura?
Talvez haja grupos de leitura em atividade que eu desconheça, vale sempre procurar. Dia 13/06, dei uma aula aberta sobre o livro, online, em homenagem ao centenário. Para assistir a aula, basta se inscrever aqui.
A partir de primeiro de agosto, vou ministrar um curso de leitura acompanhada de dois meses, também online. Quem está promovendo é o Lugar de Ler, centro literário de São Paulo, e sempre são oferecidas bolsas.
5. Você já foi pra Irlanda? Teve a curiosidade de fazer o caminho do livro?
Pude ir uma vez, felizmente. Estive lá em 2019, logo após a conclusão do meu doutorado. Foram poucos dias, mas consegui fazer alguns trajetos na região mais central da cidade. Um dos locais que conheci foi a antiga farmácia Sweny’s, cuja caracterização vitoriana foi mantida. O local funciona hoje como centro joyciano e é mantido por P.J. Murphy e outros voluntários. Espero poder voltar a Dublin para conhecer muito mais, ainda há muito por ver.
6. Dia 16 de junho é conhecido como Bloomsday. Você já comemorou esta data? Como foi a experiência?
Na minha única ida à Irlanda, era Bloomsday. A melhor parte da experiência foi ver a difusão de celebrações pequenas e independentes pela cidade, organizadas por entusiastas diversos. Pude ver como a obra ressoa para além do turismo e dos ambientes acadêmicos. Ver a ficção mobilizar pessoas é muito interessante. Para mim, o Bloomsday é uma oportunidade para reunir pessoas e ouvir ou assistir a algo relacionado ao livro, ler trechos, enfim; não há roteiro específico. Em Brasília, também estive em alguns dos eventos promovidos pelo professor Piero Eyben, incluindo o de 90 anos de Ulysses, em 2012, quando o poeta e tradutor Augusto de Campos veio à UnB. É interessante justamente a variedade de possibilidades do Bloomsday, que pode ensejar eventos em centros culturais e universidades, mas também em bares, sebos, livrarias ou mesmo em casa.
7. Qual a importância desta homenagem da filatelia aos 100 anos da obra?
A recepção da obra de Joyce no Brasil, de forma geral e quanto a Ulysses, é antiga e continua se desenvolvendo. Fomos pioneiros em trazer para a língua portuguesa e continuamos produtivos em retraduções. A homenagem filatélica pode ser uma maneira de reconhecer essa ligação cultural, essa presença da obra por aqui. Ulysses completou 100 anos e ainda ressoa no Brasil. Suscita reflexões que facilmente dialogam com o que vivemos hoje.
Luísa de Freitas nasceu em Brasília em 1990. É pesquisadora e professora de línguas e literatura. Graduou-se em Letras e fez mestrado e doutorado em teoria literária pela Universidade de Brasília (UnB). Desenvolveu pesquisa em Yale com bolsa Capes de doutorado sanduíche. Em seus estudos, concentrou-se na última obra de James Joyce, Finnegans wake. Integra o Grupo de Estudos Joycianos no Brasil, que tem sede na Universidade Federal Fluminense (UFF) e é liderado pelo professor Vitor Alevato e pela professora Dirce Waltrick do Amarante.