Renata Cordova
Gestos simples podem significar muito na infância e marcar a vida de uma pessoa para sempre. Foi assim no encontro da hoje psicóloga Claudia Regina de Assis Garcez com o então carteiro José Bernardo Teixeira Bunilha, na Porto Alegre dos anos 1970. No dia em que se celebra no Brasil o Dia do Amigo, a história da amizade improvável entre uma menina e um carteiro, contada por meio de cartões-postais.
Há 45 anos, Claudia residia na rua José do Patrocínio, na capital gaúcha. Ao resgatar suas memórias de infância, ela lembra das brincadeiras na rua, dos amigos e de uma ingenuidade nas relações e na ocupação dos espaços comunitários que as cidades grandes foram perdendo ao longo do tempo. “Eu brincava na rua, toda a quadra conhecia meus amigos e eu, que apertávamos os porteiros eletrônicos e saíamos correndo. Tínhamos uma cachorra adotada na rua, a Ísis. Quando inaugurou o Lago dos Açorianos, fomos todos tomar banho”, recorda. Nesta época, o pai de Claudia foi morar na Amazônia e a saudade fazia com que a menina enviasse cartas a ele e esperasse ansiosa pelas respostas.
Foi também em meados de 1975 que José Bunilha começou a trabalhar como carteiro: um período de sua vida que ele relembra com saudade. “Naquele tempo, o carteiro era uma figura de suma importância, pois as cartas eram ainda uma das principais formas de comunicação existente. Então, todos os moradores costumavam ter proximidade com o carteiro, desde as crianças até os vovôs, gerando assim muitas amizades”, relata.
Havia apenas um Centro de Distribuição Domiciliária em Porto Alegre naquele período, que ficava na zona central da cidade. José fazia entregas justamente na rua em que Claudia morava. E ela, à época com 9 anos, era uma das crianças que estava sempre aguardando a chegada do carteiro. “Costumava ficar sentada na porta do edifício esperando por ele. Quando ele batia na campainha, eu saía correndo, na esperança de ter uma resposta do meu pai… Mas nunca tinha carta para mim”, conta.
A espera da garotinha chamou a atenção de José. “Era uma menina muito extrovertida, sempre que me avistava na rua vinha até mim saltitante perguntando se tinha cartas para ela (…). Era muito comunicativa, adorava uma boa conversa, sempre bem alegre e sorridente”, lembra. Junto com a alegria, Claudia mantinha a expectativa de receber respostas para suas cartas, mas elas nunca vinham. Comovido, José teve a ideia de enviar postais para Claudia durante uma viagem de férias que fez de ônibus para São Paulo. A partir daí, a cada viagem o carteiro escrevia uma mensagem para a menina. “Lembro que na ocasião enviei (postais) de Florianópolis e Curitiba”, recorda José.
Esse gesto marcou a infância de Claudia. “Durante alguns anos, recebia os postais do meu anjo carteiro e pulava de alegria! Eu lembro bem o nome do José por causa dos cartões-postais e, se fecho os olhos, vejo a letra de imprensa que ele escrevia, como a minha (letra)”, afirma. A iniciativa de José ainda incentivou a menina a continuar se correspondendo por meio de cartas. Claudia, ao longo da vida, morou em diversas cidades e mantém até hoje esse hábito. “Acredita que há uns dois meses atrás mandei uma carta e um monte de fotos para uma prima de São Paulo?”, comenta a psicóloga
Com o passar do tempo, José mudou de profissão e Claudia foi morar com o pai na Amazônia. Os dois nunca mais tiveram contato, mas nas memórias de Claudia a figura do amigo permanece viva. “Meu coração jamais esqueceu meu carteiro anjo. Guardo sua doce lembrança como uma das passagens mais lindas de minha vida”, compartilha.