“Dia do Filatelista”, a história de uma data comemorativa

Texto por Mayra Guapindaia

Hoje (5) comemora-se no Brasil o “Dia do Filatelista”. A data faz alusão ao Decreto de 5 de março de 1829 que lança o Regulamento da Administração Geral dos Correios. Com o objetivo de refletir sobre este importante fato, buscaremos, primeiramente, analisar a importância e a conjuntura histórica do decreto lançado por D. Pedro I, para, em um segundo momento, focalizar a releitura de que a data foi alvo em fins do século XX, transformando-se em motivo de comemoração pelos colecionadores de selos postais brasileiros.

Decreto de 5 de março de 1829: conjuntura política

O decreto lançado em 1829 teve como intuito organizar a comunicação postal no recém-criado Brasil após a Independência. Assim, os agentes de governo da época buscavam a unificação territorial por meio de um sistema postal integrado, algo até então inexistente. De acordo com Pérola Castro (2016), esta reforma nos correios trazia em seu bojo os diferentes projetos políticos no que concerne à construção do Estado brasileiro.

O que então se almejava era maior centralização do poder e isso ficou claro no projeto pensado para a administração dos correios. A criação da função de Diretor Geral dos Correios é exemplo disso. Este agente passaria a ser responsável por coordenar todas as administrações regionais das províncias bem como os postos de correios localizados nas vilas e cidades. Portanto, o diretor representava o elo centralizador dos correios, que, a partir daquele momento, passaria a ser organizado como um sistema único.

Esta mudança foi uma inovação para a época, visto que, antes disso, não existia um único sistema postal e sim uma série de sistemas. Em 1798, várias medidas normativas foram lançadas com o intuito de reformar os correios do Reino de Portugal e seus domínios, dentre eles, a América portuguesa. Esta reforma foi responsável por efetivamente criar correios no território do Brasil, uma vez que até então toda tentativa neste sentido havia sido fracassada (SALVINO, 2018).

Contudo, a organização postal criada neste contexto, no caso particular do território americano, era marcada pela descentralização. Cada governo de capitania foi responsável por criar, em vilas e cidades, administrações de correios, que eram subordinadas às Juntas da Fazenda, órgãos fazendários de funcionamento regional. Não se criou um órgão central para o controle e subordinação destas instâncias regionais.

Por isso, a reforma de 1829 representa uma nova forma de conceber o sistema de comunicação postal, uma vez que criava um órgão único, tendo como objetivo a centralização. Esta, aliás, era uma característica marcante do governo de D. Pedro I, e medidas centralizadoras alcançaram não só os correios, como diversas esferas do Estado.

Com o retorno do Imperador a Portugal em 1831 e o início do período regencial, as diretrizes de governo mudaram novamente, e medidas descentralizadoras entraram em cena. Nesse ano, pautado por ideais liberais, extingue-se o cargo de Diretor Geral dos Correios, bem como são tomadas outras decisões que concediam mais autonomia às instâncias regionais (CASTRO, 2016, p.10). Com o regresso conservador, em 1844, a Diretoria Geral é novamente criada e é nesse novo momento de centralismo que surge o selo postal no Brasil.

Portanto, o decreto de 5 de março de 1829 marca a reorganização do sistema postal brasileiro e nele estão contidas as discussões sobre a construção do Estado em um país de independência recente.

O 5 de março como data comemorativa

O decreto de 1829, em contexto muito posterior, será alvo de releitura e se transformará em uma “tradição inventada” (HOBSBAWN, 1997). Em 1969, a Comissão Estadual de Filatelia da Secretaria Estadual da Cultura de São Paulo elegeu esta data para comemorar dia do filatelista brasileiro.

Inicialmente, a data foi motivo de controvérsia, uma vez que se escolheu uma data da história postal que é anterior à criação do selo, ou seja, um momento no qual a filatelia inexistia. Contudo, considerou-se que este decreto foi fundamental para a criação do selo postal, 14 anos depois. Não se deve deixar de atentar, contudo, que este argumento contém certo teleologismo, ou seja, se enxerga um objetivo (a criação do selo postal) em uma época em que ele ainda não era certo. Em 1829, a possibilidade do selo postal provavelmente ainda não era vislumbrada em nenhum lugar do mundo.

Além disso, como se viu, o projeto centralizador de 1829 sofreu modificações em 1831. Portanto, a conjuntura política com relação às questões postais, naquele momento do século XIX, não necessariamente possuía a linearidade de objetivos posteriormente atribuídos, no século XX, quando a data passou a ser comemorada. Ressalvadas as especificidades históricas, resta entender os motivos desta mudança.

As comemorações são típicas de sociedades humanas e, especificamente na contemporaneidade – na qual a memória tradicional está comprometida com a aceleração típica deste tempo -, este “resgate” do passado é feito como uma forma de dar coesão social a um determinado grupo, neste caso, os filatelistas. Vale afirmar que a data posteriormente foi acatada pela própria Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, o que certamente concedeu-lhe peso institucional.

Fontes e Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto de 5 de março de 1829. Dá regulamento à Administração Geral dos Correios. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 207-292, 1877.

____. Decreto de 7 de junho de 1831. Aprova com algumas exceções as disposições legislativas inseridas no Regulamento da Administração Geral dos Correios, mandado observar por decreto de 5 de março de 1829. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 9-10, 1875.

____. Decreto n. 141, de 10 de março de 1842. Restabelece o lugar de diretor geral dos Correios. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 197, 1843.

CASTRTO, Pérola Maria Goldfeder. O Império dos correios: notas de pesquisa sobre o sistema postal brasileiro no século XIX., in I Encontro de Pós-graduandos da Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos, vol. I (Anais eletrônicos, 2016).

HOBSBAWN, Eric. A Invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

SALVINO, Romulo Vale. Guerras de papel: Disputas e estratégias em torno da comunicação escrita na América portuguesa (c. 1650 – c. 1750). Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, 2018.

Publicado em Filatelia, Programação Filatélica 2020 | 3 comentários

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