Série Independência e o Selo postal dos 200 anos da Revolução do Porto

Texto por Mayra Guapindaia

Hoje, 24 de agosto, entra em circulação o quarto selo da série “Brasil, 200 anos da Independência”, feita em parceria com a Câmara dos Deputados. Nesta emissão, é focalizado um importante evento para compreender o processo da emancipação política do Brasil em relação a Portugal: A Revolução do Porto que, este ano, celebra o seu bicentenário.

Este movimento faz parte do amplo e intricado contexto histórico-político que cercou a Independência brasileira. O Brasil, então já elevado à condição de membro do Reino Unido, juntamente com Portugal e Algarves, possuía grande relevância no Império português. Afinal, o Rei e sua Corte estavam instalados no Rio de Janeiro desde 1808.

Entrementes, alguns grupos sociais portugueses eram a favor da volta de de D. João para a Península Ibérica. Com a derrota napoleônica em 1815, e o fim da ocupação francesa em Portugal, eram diversos os argumentos pelo retorno do Rei, uma vez que a mudança para o Brasil foi justificada devido as ameaças da França.  E esse foi um dos principais objetivos do movimento que tomou lugar em 24 de agosto de 1820, apoiada sobretudo por liberais monarquistas. Outra das suas características era a clara tendência para a moderação do poder real por meio da promulgação de uma Constituição e, por isso, o evento também é conhecido como “Revolução Constitucionalista”. Portanto, é um marco do enfraquecimento da autoridade monárquica e abertura para ideais liberais.

Esta “Revolução” não deve ser entendida com o significado atual que temos da palavra, associado a motim ou tumulto. Na verdade, foi um evento pacífico, liderado por militares. Os próprios idealizadores do movimento temiam uma associação com Revolução Francesa e seus ideais anti-monárquicos. A ideia era manter a monarquia portuguesa, embora com poderes limitados pela carta constitucional. Por isso, preferiam o termo “regeneração” (CARDOSO, 2019, p.19).

Com a deflagração dos eventos em Lisboa, em 15 de setembro, o próximo passo foi a convocação das Cortes, que não ser reuniam desde 1689, para a elaboração da Constituição. Por fim, D. João VI concordou em retornar à Portugal e jurar fidelidade à nova carta constitucional e ele e sua corte zarparam do Rio de Janeiro em 26 de abril de 1821.

Em um primeiro momento, boa parte das províncias brasileiras foram favoráveis à Revolução e aderiram a sua causa. Inclusive, na reunião das Cortes Constituintes em 1821, responsáveis por elaborar o texto da nova Constituição, contaram com deputados brasileiros que, até o último momento, defenderam a união luso-brasileira. Contudo, estes representantes buscavam um acordo que favorecesse a liberdade política das províncias, como, por exemplo, a formação de uma Regência com nomes indicados pelos governos provinciais (BERBEL, 2006, pos.2252). De uma maneira geral as províncias, buscando autonomia de governo frente à centralização do poder no Rio de Janeiro, então capital, foram favoráveis, até certo ponto, aos ideais constitucionais (ENDERS, 2015, Pos. 411).

Contudo, uma região bastante prejudicada pelos planos constituintes foi, justamente, o Rio de Janeiro, que então perderia a autoridade enquanto capital. Era defendido, dentre outras questões, o fim das instituições centrais construídas na cidade desde 1808 (Idem, pos.432). Então, agentes políticos antes a favor da manutenção do Império, passaram a se inclinar cada vez mais à separação política entre Brasil e Portugal.

Aos poucos, preocupadas com a perda de autonomia diante da inflexibilidade das Cortes reunidas em Lisboa, muitas províncias também aderiram a este plano e voltaram para a órbita de influência do Rio de Janeiro (Idem, pos.449). Contudo, locais como Bahia, Maranhão e Pará, se mantiveram fiéis à causa portuguesa, sendo que a adesão aos planos independentistas ocorreu nesses lugares somente a partir da intervenção militar (BERBEL, 2006, pos. 2304).

Portanto, a Revolução do Porto deve ser entendida a partir da complexa conjuntura política do Império luso-Brasileiro naquele momento. A Independência, que ocorrerá nos passos posteriores a esse evento, não era um plano claro e definido a princípio, e foi sendo estruturada enquanto possibilidade no desenrolar dos fatos. Mesmo em 1820, a opção pela separação ainda não era clara ou mesmo a melhor opção para diversos grupos políticos que então estavam em debate. É importante, portanto, inserir essa parte da história do Brasil na longa duração (PIMENTA, 2008, p.85).

A partir desta discussão, podemos então analisar este selo postal, em conjunto com os outros da série. É perceptível, justamente pelo caráter seriado dos mesmos e a alusão à eventos anteriores a própria Independência, que há a preocupação em mostrar esta parte da história brasileira como um processo. Assim, não compartilha a ideia de que a mesma foi apenas um evento isolado, fruto de vontades individuais.

Além disso, a emissão serve como importante meio de divulgação de uma fonte iconográfica da época, e sua observação pode nos levar a refletir sobre como as pessoas daquele período pensavam a Revolução Constitucionalista. O selo traz uma das gravuras de Constantino Fontes (1777 – 1840), a qual faz parte de uma série de desenhos, baseados nas obras de Antonio Maria da Fonseca intitulada “Alegoria à Constituição”. O que vemos na imagem é, justamente, uma representação artística dos acontecimentos de 24 de agosto de 1820. Atualmente, estas e outras gravuras fazem parte do acervo da Sociedade Martins Sarmento, em Portugal.

O selo e a gravura nele reproduzida são subsídios para ajudar a pensar a história da Independência, bem como o contexto social e político deste momento peculiar. A observação deste pequeno pedaço de papel pode levar aos colecionadores, ou mesmo a alunos em sala de aula, incentivados pelo professor, a pensar quais as características deste evento histórico, qual a influência do pensamento liberal neste processo, que tipo de Constituição os deflagradores do movimento pretendiam promulgar e por quais motivos, e qual o diálogo deste evento com a separação entre Brasil e Portugal. Por fim, pode ser útil também à análise de qual tipo de representação imagética este e outros selos da série dão à Independência, ou seja, como este processo vem sendo reconstruído por mídias como o selo postal nas vésperas dos seus 200 anos. Nos outros três selos da série, é possível ver mais alguns eventos que estão ligados ao processo de Independência: Bicentenário de D. Leopoldina, Bicentenário da Aclamação de D. João VI e Bicentenário do retorno de José Bonifácio ao Brasil. Estes, é claro, não esgotam as inúmeras abordagens que podem ser feitas sobre a temática, e são, como toda fonte histórica, um recorte que serve à reflexão de como o evento histórico é atualmente retratado.



Referências

BERBEL, Márcia Regina. Os apelos nacionais nas cortes constituintes de Lisboa (1821/22). In: MALERBA, Jurandir (org) A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. Edição do Kindle. Pos.1977-2336.

CARDOSO, José Luís. A Revolução Liberal de 1820. Lisboa: CTT, 2019.

ENDERS, Armelle. Os Vultos da Nação: fábrica de heróis e formação dos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. Edição do Kindle.

PIMENTA, João Paulo. A Independência do Brasil e o liberalismo português: um balanço da produção acadêmica. Revista Digital de História hibero-americana. Vol 1, n.1, 2008, pp. 70-105.

Publicado em Programação Filatélica 2020 | 3 comentários

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