DOS SELOS ÀS FACHADAS
As muitas cores dos Correios no legado da artista Martha Poppe

A história dos Correios se confunde à de Martha Poppe. Foto: Museu da Pessoa

Entre murais, painéis e selos, a história dos Correios é permeada pela beleza do trabalho de Martha Cavalcanti Poppe. Por meio do talento e da técnica da artista plástica, que nos deixou há um ano, peças filatélicas alçaram status de obra de arte e edificações da empresa construíram elos de sensibilidade com a sociedade.

O desenho sempre foi a grande paixão de Martha Poppe. Aos 17 anos, estudou pintura na escola Belas Artes e cinco anos depois, em 1962, entrou para os quadro de empregados dos Correios. Na área de engenharia da empresa, no Rio de Janeiro, a jovem se debruçava sobre pranchetas, como desenhista copista.

Em estilo vintage, Martha ilustrou selos da série Cinema Brasileiro, de 1990.

Mas foi no recém-criado departamento de Filatelia, em 1972, que a artista encontrou o seu lugar. Em contato com grandes artistas gráficos e plásticos, como Gian Calvi e Aluísio Carvão, a carioca ilustrou mais de 300 selos ao longo de 25 anos. Ao ter a oportunidade de “queimar os fusíveis da criação”, como gostava de dizer, Martha se destacou por imprimir nos selos um grafismo inspirado na linguagem digital.

“Graças a abertura desse novo olhar da filatelia, a partir de uma concepção mais moderna e menos acadêmica, os selos começaram a ficar lindos, coloridos e terem sucesso internacional, também. A inclusão de artistas plásticos brasileiros, de norte a sul, foi muito importante nesse processo”, relatou Martha em entrevista para o Museu da Pessoa, em 2013.

Entre as criações da artista estão selos emblemáticos, como a emissão em comemoração ao Ano Internacional da Mulher em 1975, e premiados, como a peça do Ano do Turismo das Américas – que recebeu a medalha de prata na Exposição Filatélica Nacional do Peru, em 1993.

Colega de trabalho de Martha nessa época, Denise Anne Braga, atual gestora do Espaço Cultural Correios Niterói (RJ), lembra com carinho da artista. “Martha sempre foi muito peculiar. Tinha um jeito carinhoso e ao mesmo tempo, uma personalidade forte. Enquanto ela criava e desenhava, gostava de explicar suas técnicas e formas de desenho”, relata. 

A filha mais velha de Martha, Márcia Poppe, revela como a mãe tinha orgulho de trabalhar nos Correios. “Ela gostava muito do que fazia e criou relações muito profundas na empresa. Dos amigos que teve até o fim da vida, a maior parte deles conheceu através do trabalho”, ressalta.

Versatilidade

Não demorou para a arte de Martha Poppe ganhar maiores dimensões, literalmente. O painel decorativo de 1.500 m² que contorna as quatros fachadas do histórico edifício-sede dos Correios, em Brasília, foi idealizado por ela e pelo escultor espanhol Julio Spinoso. Com concepções abstratas e em baixo relevo de concreto, o objeto artístico possui texturas geometrizadas em linhas retas e curvas.

Arte a céu aberto: painel do edifício-sede dos Correios. Foto: Divulgação/Correios

“O trabalho dela não tinha separação com a vida. Em tudo que fazia, ela colocava muito afeto. No fundo, tudo convergia para o desenho, com traços aguçados, claros e precisos”, avalia a caçula de Martha, Maria Alice Poppe.

Não menos impactante, o mural do edifício da empresa na Avenida Presidente Vargas da Cidade Nova, no Rio de Janeiro, também recebeu a arte de Poppe.  Com volumes que retratam cerâmicas, potes e diversas formas livres, o painel representa equipamentos e instrumentos utilizados pelos processos de comunicação ao longo da história.

Museu Correios: painel conta a história postal e telegráfica do Brasil. Foto: Divulgação/Correios

Em 2004, Martha também foi convidada a produzir quatro painéis decorativos para a fachada do Museu Correios, em Brasília. Executados em pastilhas de vidro, os painéis em mosaico contam a história postal e telegráfica do Brasil. 

“Fui me descobrindo como artista, porque é assim que você se descobre, sendo desafiada. E para mim nos Correios foram muitos desafios, um atrás do outro. Foi o meu primeiro e único emprego e o melhor que eu poderia ter tido”, afirmou Martha, em 2013.

De mãe para filhas

A artista casou em 1967 com o fotógrafo e artista plástico João Batista Maggione Poppe, com quem teve duas filhas: Maria Alice Poppe, bailarina, e Márcia Poppe, artista plástica.

Martha e as filhas, Maria Alice e Márcia. Foto: Arquivo pessoal

“Quando a gente a visitava nos Correios, eu tinha muita vontade de correr e de girar naquele espaço enorme. De alguma maneira, acho que desenvolvi o gosto pelo movimento entre aquelas pranchetas”, conta Maria Alice.

Márcia Poppe também ressalta a influência da mãe na sua profissão. “Ela me inspira muito nas minhas realizações audiovisuais e de expressão artística. Minha mãe é uma referência fundamental que acompanha toda a família”, destaca Márcia.

“Todas as cores que ela deixou continuam presentes nas suas obras. A sensibilidade que ela sempre teve, de maneira intuitiva e plena, faz com que ela permaneça muito viva entre nós”.

Maria Alice Poppe