Hoje é o Dia Nacional do Selo, e os Correios estão comemorando a data de uma forma muito especial: lançando uma releitura do primeiro selo postal brasileiro, o Olho de boi, que completa 180 anos neste 1º de agosto. Os eventos de lançamento acontecerão em Brasília/DF, Recife/PE e Ribeirão Preto/SP.
A releitura do Olho de boi chega pelas mãos do artista Fábio Lopez, que usou a computação gráfica para adicionar (pós-)modernidade aos três selos originais, de 30, 60 e 90 réis. Os selos ganharam cores marcantes, porém, mantendo os arabescos característicos da obra homenageada. O resultado remete à arte pop, que tem o estadunidense Andy Warhol como um de seus maiores representantes.
Essa é a mais recente releitura do primeiro selo postal brasileiro, cuja arte já figurou em inúmeros selos e blocos comemorativos. Em 1943, por exemplo, os Correios lançaram uma edição comemorativa pelos 100 anos do selo postal nacional, mantendo as cores do Olho de boi original e acrescentando a impressão das frases “centenário do selo postal” na parte de cima, “Brasil Correio” na parte de baixo, e “centavos” logo abaixo do número. O bloco comemorativo do centenário trazia as imagens do Imperador D. Pedro II e do Presidente Getúlio Vargas. Em 1993, a edição comemorativa pelos 150 anos do selo teve na arte personagens da Turma da Mônica. Entre 2011 e 2013, os selos de 30, 60 e 90 réis foram relançados em suas versões em bronze, prata e ouro, em comemoração aos 170 anos do Olho de boi.
Um selo sem a imagem do monarca
O Olho de boi entrou em circulação em 1º de agosto de 1843, fazendo do Brasil o segundo país do mundo a emitir selos postais, atrás apenas da Inglaterra, que havia lançado o Penny Black três anos antes, em 1840. Vale registrar que a cidade de Zurique, na Suíça, tem um selo datado de março de 1843, ou seja, cinco meses antes do Olho de boi, mas que não entra na conta porque não foi de circulação nacional, ficou restrito apenas à cidade onde foi criado. Também há registros de selos locais em províncias da França.
Enquanto a Inglaterra estampou o perfil da Rainha Vitória no Penny Black, no Brasil, a ideia de colocar a imagem de D. Pedro II em um objeto que seria “manchado” por um carimbo na postagem e que poderia ser rasgado e jogado no lixo não foi julgada adequada. Assim, o Olho de boi saiu apenas com os valores impressos, de 30, 60 e 90 réis. Cada valor foi decorado com arabescos florais, e o formato arredondado da imagem final lembrava um olho de boi, daí o apelido, que virou nome oficial do selo.
A emissão do Olho de boi revolucionou o tráfego postal brasileiro ao introduzir o pagamento pela carta no ato da postagem. É isso mesmo, antes dele, quem pagava pelas correspondências era o destinatário, no ato do recebimento. A mudança foi parte de uma reforma postal, aprovada pelo Congresso em 1842, que, entre outras inovações, modificou a forma de taxação das cartas. O valor passou a ser fixado pelo peso da correspondência e pelo meio de transporte escolhido, independentemente da distância percorrida. Para se ter uma noção, um objeto de 15 gramas, por exemplo, custava 60 réis por terra e 120 réis por mar, e esse valor ia subindo progressivamente (a cada 7 gramas excedentes, o remetente pagava mais 30 réis se o objeto fosse por terra, e 60 réis se fosse por mar).
O Olho de boi circulou até julho de 1944, quando foi substituído pelo Inclinado, com arte similar, mas cujos números eram grafados como que em itálico. Acredita-se que foram emitidos cerca de 3 milhões de selos Olho de boi, a maior parte deles destinada à província da Bahia.
História em 2×3
Um selo carrega aspectos históricos, sociais, artísticos, culturais, fauna e flora de um país. “Tudo que é importante na história de um país vira selo”, explica o filatelista Reinaldo Estevão de Macedo. “É incrível como um pedaço de papel de 2x3cm possa refletir tanta história”, reflete ele.
Talvez por isso o hábito de colecionar selos tenha nascido junto com o Penny Black, embora só tenha se consolidado como atividade organizada por volta da década de 1960. O selo postal sempre foi uma marca de autoridade, de soberania do país emissor, um registro para posterioridade.
Os selos brasileiros sempre foram referência na história da filatelia, e, por diversas ocasiões, os Correios foram premiados e reconhecidos pela qualidade gráfica, artística e temática inerente ao processo de criação de uma emissão postal. Cada selo também é fonte de pesquisa, uma obra de arte, que reflete a percepção do seu criador em relação aos temas destacados.
Além disso, o Brasil tem relevância no mercado mundial de filatelia “não apenas pelos selos emitidos, mas por ter grandes colecionadores e um bom mercado expositivo”, como destaca Reinaldo Macedo. “Somos formadores de opinião”, diz ele.
Macedo é vice-presidente da Federação Internacional de Filatelia (FIP), que tem sede na Suíça, e membro do conselho da Federação Brasileira de Filatelia (FEBRAF). Além disso, ele é o único brasileiro vivo a ter o nome no Hall of Distinguished Philatelists (“Lista de Distintos Filatelistas”, em tradução livre do inglês), a maior e mais antiga honraria do mundo concedida a filatelistas no mundo.
Filatelia segue viva
A consolidação das comunicações via internet e os novos métodos de franqueamento postal, necessários para garantir celeridade aos processos de postagem, tratamento e distribuição, tiveram como consequência a redução da utilização de selos nos objetos que circulam nos Correios. No entanto, as vertentes culturais, institucionais e mercadológicas da filatelia são incontestáveis e abrangentes, atravessando fronteiras e pessoas das mais diversas formas.
“A filatelia me ajudou a escolher até minha profissão!”, conta o museólogo Henrique de Vasconcelos Cruz, carioca radicado em Recife/PE. Ele participou da primeira exposição de selos aos 13 anos, é colecionador há 30, e é especialista em história postal, com foco em censura postal durante a Segunda Guerra. O museólogo destaca a dimensão internacional da filatelia brasileira. “O Olho de boi é um dos selos mais procurados do mundo”, diz.
Brasil além-mar – Cada filatelista tem uma relação única com os selos. “Me sinto como arqueólogo, buscando uma conexão do passado que ainda não foi descoberta, documentando algo antes que desapareça”, diz Fábio Monteiro, falando da pesquisa filatélica.
Monteiro, que é brasileiro, mas mora há 40 anos na Alemanha, começou a colecionar selos na infância, na década de 1970. Ele conta que “receber uma carta com um selo de outro lugar do mundo era muito especial, era um outro valor. Não existia internet, viajar era muito mais difícil”. Com a filatelia, ele “viajava pelo mundo através da fantasia dos selos”, diz.
O interesse pelos selos o acompanhou pela vida adulta. O filatelista é redator-chefe do boletim do Grupo de Pesquisas sobre Filatelia Brasileira (ArGe-Brasilien). O grupo tem uma série de publicações sobre a história postal do Brasil, e ele acaba de concluir a documentação de todas as agências postais existentes no Brasil Império. O livro com o resultado deve ser publicado até o fim do ano.
Presença feminina
Juliana Fink, de Recife/PE, é uma das poucas mulheres filatelistas no Brasil (“é um Clube do Bolinha”, diz). Ela é vice-presidente do Clube Filatélico do Recife e começou a se interessar por selos ainda criança, quando ganhou uma caixinha de selos que eram da mãe. Ela explica que morava longe e não podia participar das reuniões filatélicas, então, sua coleção se resumia aos selos que tinha ganhado.
“Depois de uns anos, as obrigações da vida adulta me afastaram da filatelia”, diz ela. “Mulheres têm mais responsabilidade com o mundo prático, trabalho, filhos”, analisa. Mas, em 2018, estava em um cartório e viu que lá havia uma agência dos Correios. “Tinha um selo de Renato Russo. Comprei. Resgatei minha coleção, retomei meu rumo!”, conta ela.
“Foi o que me salvou na pandemia”, diz a filatelista. Bancária aposentada, ela diz que sempre foi muito ativa, e que ficar em casa teria sido muito mais difícil sem os selos para ocupar o tempo. Poucos meses antes da pandemia começar, Juliana Fink comprou “1 kg de selos” durante uma das reuniões do Clube Filatélico. “Isso dá um saco médio até em cima, cheio de selo”, diz. Por uma dessas coincidências da vida, quem vendeu o “saco de selos” foi um colega bancário também aposentado, que Juliana conhecia, mas que nem imaginava ser filatelista como ela.
Para Fink, “o selo fala ao coração”. “Você tem uma gama muito grande de selos de todo o mundo sobre todos os assuntos. Aprende história, geografia, aprende sobre o momento político no qual o selo foi lançado”, diz ela. “Vai ter um que vai te tocar”.
Neta de um judeu polonês, a filatelista tem interesse especial por selos com temas relativos aos Diretos Humanos e ao Holocausto. “Meu avô já estava no Brasil durante a Segunda Guerra, mas todo o resto da família se perdeu no Holocausto”, diz.
Reuniões – O Clube Filatélico do Recife se reúne todo último sábado do mês, na agência Central dos Correios em Recife, das 9h às 11h. A agência está localizada na Av. Guararapes, 250 – Santo Antônio, Recife – PE. Os encontros são abertos ao público.
Filatelia no Portal Correios
Na página da Filatelia, que agora está no Portal Correios, é possível acessar informações sobre edições comemorativas, programação filatélica e até propor um tema para um selo. A página da Federação Brasileira de Filatelia – FEBRAF também tem informações sobre selos, inclusive sobre grupos de filatelia no país.
Para adquirir a emissão comemorativa pelos 180 anos do selo Olho de boi, ou qualquer outro selo em comercialização, acesse a loja virtual Correios Shopping.